O local onde tudo o que é produzido é fruto de delírios alucinatórios. De quem escreve e de quem lê.
terça-feira, 16 de setembro de 2014
Há coisas nesta vida que eu nunca vou entender
Mas por mim tudo bem. Afinal, não sei bem quem é que disse, mas não podemos saber tudo. Nem o Rafael Martim, que era da minha turma e que tirava 5 a todas as disciplinas sabia tudo. Por exemplo, não sabia que a Diana gostava dele e andava atrás da Liliana, que não lhe passava cartão e depois vinha-se queixar que trocava todos os 5 dele pela felicidade com uma rapariga. Tanto não trocou nenhum dos 5's dele como nunca descobriu que a Diana gostava dele. Não sei porque me lembrei disto agora, se calhar é verdade aquilo que o Venâncio me está sempre a dizer que as memórias é como ir ao supermercado: às vezes lembramos de trazer tudo, outras vezes pensamos que trazemos tudo mas depois é que vemos que nos esquecemos de algo e parece sempre que nos esquecemos só de uma coisa, mas quando vamos a ver bem é sempre muito mais. Vê-se que o Venâncio fez o 12º e teve Filosofia, que foi coisa que eu infelizmente nunca tive.
O meu tio disse-me que toda a gente é livre de pensar, mas que havia pessoas que deviam ser proibidas de dar a sua opinião, até porque ele também é livre de no pensamento ter relações sexuais com quem lhe apetecer, mas na prática, se fizer só por vontade dele pode ir preso por isso. A Xana da cantina já uma vez me tinha dito uma coisa parecida, que a diferença entre violação e sexo espectacular era se se apresentava queixa no fim ou não. O Venâncio disse-me que a coisa no Mundo que sofre mais violações são os sonhos mas eu depois ouço o Gary a falar todos os dias de violações de expectativas e fico na dúvida. Por via das dúvidas, como violação dá cadeia e os juízes não costumam facilitar muito nisso, evito violar o que quer que seja. O irmão do Sebastião uma vez violou o Código da Estrada e ficou logo sem carta. Até tenho medo disso, eu não tendo carta, se violasse o Código da Estrada o que é que eles me iam tirar?
Entre tudo o que me pudessem tirar, só pedia que não me tirassem a Vera. Também não queria perder o meu trabalho, a amizade do Venâncio, do Sebastião e do Gary e não queria que me tirassem o prazer que tenho sempre que bebo um panaché. O Gary disse-me uma vez que os panachés foram inventados para as moças que não inchassem com a cerveja conseguissem acompanhar a francesinha sem ser com sumo. Disse-lhe que ele me tinha dito que foi para isso que inventaram as Minis e ele disse-me que os panachés também são considerados mini-cervejas, a diferença é que as outras são minis no tamanho, os panachés são minis no conteúdo. Aprendo mais com o Gary, com o Venâncio e com o meu tio do que nas duas vezes que fiz o 9º ano. Mas voltando ao raciocínio, só pedia que não me tirassem a Vera. Só que o Mundo é macabro e há coisas nesta vida que eu nunca vou entender. O Lino foi promovido e mudou de secção. Para o lugar dele entrou uma moça nova na fábrica, chamada ... Vera. Quando o Venâncio me disse que ia trabalhar com uma Vera fiquei triste por ela ter sido despromovida, mas quando vi que era outra Vera fiquei triste por tudo o que isso ia implicar.
Para começar, como é que vou chamar a esta Vera? Sempre que falar nela vou ter que dizer «a Vera do meu departamento»? Partilhei estas dúvidas com o Sebastião mas ele só me disse que ia era tentar saber se ela era 91 e se estava disponível para ir beber um copo, para ele lhe explicar as normas de segurança da fábrica. Fiquei contente por o Sebastião ser uma pessoa prestável e responsável. Mas não me ajudou no meu dilema. O Venâncio disse-me para sempre que me referir a ela usar o apelido, mas depois disse para não o fazer porque a «minha» Vera ia-me perguntar como é que eu sabia o apelido dela se na fábrica nem usamos cartões de identificação. Quando o Venâncio disse «a minha Vera» gostei de ouvir e disse que talvez diferenciasse assim: «a minha Vera» e «a outra Vera». O Venâncio disse-me logo para não o fazer, porque se há coisa que as moças não gostam é de um moço que coma com as mãos e que as trate como propriedade deles. Depois disse-me para também nunca dizer «a Vera nova», como se a outra fosse velha ou já tivesse no meu passado.
Por tudo isto, a Vera continua a ser a Vera e só isso. A moça nova é só a moça nova, não preciso de dizer o nome dela. Até porque nem sou eu que lhe está a dar formação, é o Sebastião. A Xana da cantina disse-me que a Vera lhe tinha dito que o Sebastião a tinha levado para a cama ontem à noite e que tinha se tinha sentido como nunca. Eu não acreditei, disse-lhe que estava a inventar histórias sobre a Vera e que nem ela nem ele me iam trair assim. A Xana sossegou-me logo, disse que não estava a falar da minha Vera, porque a essa Vera chama-a de «nojentinha vegetariana». Eu aconselhei a Xana a usar um nome mais curto, porque eu antes também dizia sempre «a Vera da Contabilidade» e demorava muito mais tempo a contar as histórias do que agora, que só digo Vera. A Xana disse-me que gosta de homens que demorem muito e que a façam chegar ao fim primeiro. De certeza que não teve a minha professora de Português, que nos obrigava sempre a ler rápido para não passarmos a aula toda naquilo. De qualquer forma, esta moça nova veio substituir o Lino, mas continua a ser ele a organizar os jogos do pessoal da fábrica. Ou seja, a única coisa que mudou mesmo foi mais uma Vera na minha vida. Mas não é uma Vera como a minha, só é Vera de nome.
P.S.: O Sebastião mandou-me uma mensagem hoje a dizer que não ia almoçar comigo porque ia comer a Vera na casa de banho. Ao princípio assustei-me porque pensei que estava a falar da minha Vera (aqui posso dizer «a minha Vera», ao falar com os outros é que não, disse-me o Venâncio, que lhe liguei agora mesmo) mas depois lembrei-me que era a moça nova. Depois também me apercebi que o Sebastião ainda não se habituou ao novo telemóvel e esqueceu-se de dizer que ia comer com ela, na casa de banho. Eu desejei-lhe bom apetite apesar de achar que era um sítio esquisito para se almoçar. Mas cada um com os seus gostos. A Xana da cantina também me disse que adorava que a comessem na dispensa, por isso, depende de cada pessoa. Estava a almoçar com a Vera quando o Sebastião me mandou mensagem a dizer que eu e ele andávamos a comer uma moça chamada Vera. Mais uma vez, esqueceu-se do «com», porque realmente ambos almoçamos com uma moça chamada Vera.
quarta-feira, 3 de setembro de 2014
Já lá vai quase um mês mas nem parece nada
O Venâncio tem razão, outra vez. Ele disse-me que a melhor maneira de ver como o tempo é subjectivo é a jogar Freecell. Quando joga Freecell na fábrica, faz 10 jogos em 15 minutos mas parece que esteve a jogar durante 1 hora. Quando joga Freecell na casa de banho de casa pensa que só passaram 15 minutos e já passou uma hora. Eu nunca tinha ouvido essa, mas já tinha ouvido o meu tio dizer que a diferença entre um minuto e um segundo dependia se tivesse do lado de dentro da casa de banho ou de lado de fora. Nunca percebi bem isso. Nem isso nem quando o Gary me diz que os primeiros a brincarem com a noção de tempo e a confundirem as pessoas foram os do DragonBall, que havia lá uma sala para onde eles iam treinar que se passassem um ano dentro da sala, cá fora só tinha passado uma semana. Eu essa nunca tinha reparado, mas a Xana da cantina uma vez disse-me que já não tinha um homem na cama dela há anos e afinal só tinham passado dois meses.
Por falar nisso do tempo, estes últimos tempos proporcionaram coisas engraçadas. Quer dizer, não foram assim tão engraçadas, algumas deixaram-me triste. Nem sei por onde começar, se pelas boas se pelas más. Lembro-me que uma vez tinha boas e más notícias para dar ao meu tio e ele disse-me para lhe dar só as más, que assim não estragava as boas. Mas quando fiz a mesma coisa ao meu irmão ele pediu-me para lhe dar as boas e depois deu-me uma coça por ter más notícias para ele e nem sequer lhe cheguei a contar quais eram. Depois só descobriu que a mãe estava no hospital quando fui buscar frango ao Vítor Piranha três dias seguidos para o jantar. Quanto a isso o Venâncio disse-me que dá sempre as boas notícias primeiro porque se dermos as más primeiras as pessoas nem têm cabeça para digerir as boas. Eu nem sabia que se digeriam notícias, mas acredito no Venâncio. Se o Rebelo da mercearia estava sempre a dizer que comia porcas à canzana e as pessoas ficavam lá a ouvi-lo, então também deve ser verdade que se digerem notícias.
Ainda acreditei mais nisto de digerir notícias quando o Sebastião me disse que quando a mãe dele descobriu que o pai a traiu com um travesti vomitou no chão e esteve 3 dias a chá. Teve uma indigestão noticiosa. Mas adiante. Vou começar pelas boas, ainda que eu só tenha sabido que era boa quando falei com algumas pessoas. A Vera, há duas semanas, perguntou-me se me podia fazer companhia de manhã. Eu a início estranhei porque os nossos departamentos na fábrica ficam um pouco distantes um do outro e nem eu posso embalar e rotular as latas na Contabilidade nem ela tem máquinas de calcular no meu departamento para fazer as contas. Só depois é que a Vera me disse que estava a falar em irmos para o trabalho juntos. Em vez de ir de bicicleta, ela vinha comigo de autocarro. Fiquei um bocado na expectativa sobre se devia pagar o bilhete dela, já que eu tenho passe e ela é que se ofereceu para vir comigo, mas ela pagou logo e arrumou logo ali a questão. Quando o Venâncio nos viu deu os bons dias como sempre, mas mal me apanhou na pausa para o café disse que aquele era um grande passo e que quando uma moça quer passar mais tempo connosco é porque gosta mais de nós do que sentir a saudade de estar connosco. Não sei como é possível o Venâncio estar divorciado.
A Xana da cantina é que quando soube que eu e a Vera chegamos juntos me perguntou se também íamos almoçar juntos e se íamos para a cama juntos. Eu disse que a Vera era vegetariana e que não podíamos dormir juntos porque o meu irmão tem um sinal na porta do quarto que diz «Proibida a entrada a pessoas estranhas» e que ele leva muito a sério. Uma vez no Carnaval o meu primo entrou lá mascarado e o meu irmão deu-lhe uma coça que ele nem se levantou só porque não o reconheceu. A Xana da cantina disse-me que a cama dela dava bem para nós os dois e eu prometi que passava a mensagem à Vera. Mesmo assim agradeci-lhe o convite. Mandei mensagem ao Gary a perguntar se alguma vez a Paulinha tinha ido com ele para o trabalho de manhã. Ele não me respondeu. A Vera também nem disse nada sobre o convite da Xana. Só me disse que me ficava muito mais barato se começasse a levar almoço de casa em vez de ir comer todos os dias naquela cantina e levar com a Xana. Eu até gostava da ideia mas a minha mãe acorda sempre às 11:00 e a essa hora já eu estou na fábrica. A Vera ofereceu-se para me levar o almoço todos os dias mas nem lhe respondi. Lembrei-me daquela dica que o Venâncio me deu em que é melhor as moças ficarem a dever-nos favores do que nós a elas.
Agora a má notícia. Anteontem passei por uma rua que já não passava há umas semanas e tive um choque. O talho do Sr. Gustavo fechou. Sempre que passava lá cumprimentava-o e se ele estivesse à porta à espera de clientes ainda lhe falava sobre o tempo ou sobre algum assunto que estivesse a marcar a actualidade. Mas fechou. Agora tenho de ver outro talho de confiança que possa subsitituir o talho do Sr. Armindo, que é onde vou sempre. Mas sempre que o Sr. Armindo não tinha alguma coisa ou estava fechado, ia sempre ao do Sr. Gustavo. Comentei isso com o Sr. Romeu, o meu antigo barbeiro, que se reformou. É verdade. Estive vários meses sem o ver e nas últimas duas semanas vi-o quase todos os dias. Descobri que não tenho tema de conversa com o Sr. Romeu para todos os dias. Sempre que ia à barbearia falava com ele sem parar mas agora descobri que isso se calhar só acontecia porque ia lá de 2 em 2 meses. A relação barbeiro-cliente é muito prejudicada se for feita numa dose diária. Pelo menos nisso, o facto do Sr. Gustavo ter fechado o talho já me deu um tema de conversa quando encontrei o Sr. Romeu agora à vinda para casa.
P.S.: Acho que este texto ficou maior do que é costume. Se sim, confesso que me entusiasmei a escrever. Se não, não liguem, finjam que está tudo igual, deve ser por andar apaixonado, em que tudo me parece maior. A única coisa que não me parece maior nos últimos tempos é a viagem de autocarro de manhã de casa até à fábrica, mas isso é só porque a Vera tem vindo comigo. Ainda na semana passada apanhamos uma carrinha dos Correios estacionada no meio da rua e estivemos mais de 15 minutos à espera que o condutor saísse do café onde estava a tomar o pequeno-almoço para passarmos. Mesmo assim, pareceu-me que demorou menos tempo do que quando a Vera não vinha. Eu acho que é amor, mas o Sebastião acha que é por estar distraído, porque acontece-lhe a mesma coisa quando vai a jogar um jogo de zombies que ele tem no telemóvel.
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