quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Já lá vai quase um mês mas nem parece nada


O Venâncio tem razão, outra vez. Ele disse-me que a melhor maneira de ver como o tempo é subjectivo é a jogar Freecell. Quando joga Freecell na fábrica, faz 10 jogos em 15 minutos mas parece que esteve a jogar durante 1 hora. Quando joga Freecell na casa de banho de casa pensa que só passaram 15 minutos e já passou uma hora. Eu nunca tinha ouvido essa, mas já tinha ouvido o meu tio dizer que a diferença entre um minuto e um segundo dependia se tivesse do lado de dentro da casa de banho ou de lado de fora. Nunca percebi bem isso. Nem isso nem quando o Gary me diz que os primeiros a brincarem com a noção de tempo e a confundirem as pessoas foram os do DragonBall, que havia lá uma sala para onde eles iam treinar que se passassem um ano dentro da sala, cá fora só tinha passado uma semana. Eu essa nunca tinha reparado, mas a Xana da cantina uma vez disse-me que já não tinha um homem na cama dela há anos e afinal só tinham passado dois meses.



Por falar nisso do tempo, estes últimos tempos proporcionaram coisas engraçadas. Quer dizer, não foram assim tão engraçadas, algumas deixaram-me triste. Nem sei por onde começar, se pelas boas se pelas más. Lembro-me que uma vez tinha boas e más notícias para dar ao meu tio e ele disse-me para lhe dar só as más, que assim não estragava as boas. Mas quando fiz a mesma coisa ao meu irmão ele pediu-me para lhe dar as boas e depois deu-me uma coça por ter más notícias para ele e nem sequer lhe cheguei a contar quais eram. Depois só descobriu que a mãe estava no hospital quando fui buscar frango ao Vítor Piranha três dias seguidos para o jantar. Quanto a isso o Venâncio disse-me que dá sempre as boas notícias primeiro porque se dermos as más primeiras as pessoas nem têm cabeça para digerir as boas. Eu nem sabia que se digeriam notícias, mas acredito no Venâncio. Se o Rebelo da mercearia estava sempre a dizer que comia porcas à canzana e as pessoas ficavam lá a ouvi-lo, então também deve ser verdade que se digerem notícias.



Ainda acreditei mais nisto de digerir notícias quando o Sebastião me disse que quando a mãe dele descobriu que o pai a traiu com um travesti vomitou no chão e esteve 3 dias a chá. Teve uma indigestão noticiosa. Mas adiante. Vou começar pelas boas, ainda que eu só tenha sabido que era boa quando falei com algumas pessoas. A Vera, há duas semanas, perguntou-me se me podia fazer companhia de manhã. Eu a início estranhei porque os nossos departamentos na fábrica ficam um pouco distantes um do outro e nem eu posso embalar e rotular as latas na Contabilidade nem ela tem máquinas de calcular no meu departamento para fazer as contas. Só depois é que a Vera me disse que estava a falar em irmos para o trabalho juntos. Em vez de ir de bicicleta, ela vinha comigo de autocarro. Fiquei um bocado na expectativa sobre se devia pagar o bilhete dela, já que eu tenho passe e ela é que se ofereceu para vir comigo, mas ela pagou logo e arrumou logo ali a questão. Quando o Venâncio nos viu deu os bons dias como sempre, mas mal me apanhou na pausa para o café disse que aquele era um grande passo e que quando uma moça quer passar mais tempo connosco é porque gosta mais de nós do que sentir a saudade de estar connosco. Não sei como é possível o Venâncio estar divorciado.



A Xana da cantina é que quando soube que eu e a Vera chegamos juntos me perguntou se também íamos almoçar juntos e se íamos para a cama juntos. Eu disse que a Vera era vegetariana e que não podíamos dormir juntos porque o meu irmão tem um sinal na porta do quarto que diz «Proibida a entrada a pessoas estranhas» e que ele leva muito a sério. Uma vez no Carnaval o meu primo entrou lá mascarado e o meu irmão deu-lhe uma coça que ele nem se levantou só porque não o reconheceu. A Xana da cantina disse-me que a cama dela dava bem para nós os dois e eu prometi que passava a mensagem à Vera. Mesmo assim agradeci-lhe o convite. Mandei mensagem ao Gary a perguntar se alguma vez a Paulinha tinha ido com ele para o trabalho de manhã. Ele não me respondeu. A Vera também nem disse nada sobre o convite da Xana. Só me disse que me ficava muito mais barato se começasse a levar almoço de casa em vez de ir comer todos os dias naquela cantina e levar com a Xana. Eu até gostava da ideia mas a minha mãe acorda sempre às 11:00 e a essa hora já eu estou na fábrica. A Vera ofereceu-se para me levar o almoço todos os dias mas nem lhe respondi. Lembrei-me daquela dica que o Venâncio me deu em que é melhor as moças ficarem a dever-nos favores do que nós a elas.



Agora a má notícia. Anteontem passei por uma rua que já não passava há umas semanas e tive um choque. O talho do Sr. Gustavo fechou. Sempre que passava lá cumprimentava-o e se ele estivesse à porta à espera de clientes ainda lhe falava sobre o tempo ou sobre algum assunto que estivesse a marcar a actualidade. Mas fechou. Agora tenho de ver outro talho de confiança que possa subsitituir o talho do Sr. Armindo, que é onde vou sempre. Mas sempre que o Sr. Armindo não tinha alguma coisa ou estava fechado, ia sempre ao do Sr. Gustavo. Comentei isso com o Sr. Romeu, o meu antigo barbeiro, que se reformou. É verdade. Estive vários meses sem o ver e nas últimas duas semanas vi-o quase todos os dias. Descobri que não tenho tema de conversa com o Sr. Romeu para todos os dias. Sempre que ia à barbearia falava com ele sem parar mas agora descobri que isso se calhar só acontecia porque ia lá de 2 em 2 meses. A relação barbeiro-cliente é muito prejudicada se for feita numa dose diária. Pelo menos nisso, o facto do Sr. Gustavo ter fechado o talho já me deu um tema de conversa quando encontrei o Sr. Romeu agora à vinda para casa.







P.S.: Acho que este texto ficou maior do que é costume. Se sim, confesso que me entusiasmei a escrever. Se não, não liguem, finjam que está tudo igual, deve ser por andar apaixonado, em que tudo me parece maior. A única coisa que não me parece maior nos últimos tempos é a viagem de autocarro de manhã de casa até à fábrica, mas isso é só porque a Vera tem vindo comigo. Ainda na semana passada apanhamos uma carrinha dos Correios estacionada no meio da rua e estivemos mais de 15 minutos à espera que o condutor saísse do café onde estava a tomar o pequeno-almoço para passarmos. Mesmo assim, pareceu-me que demorou menos tempo do que quando a Vera não vinha. Eu acho que é amor, mas o Sebastião acha que é por estar distraído, porque acontece-lhe a mesma coisa quando vai a jogar um jogo de zombies que ele tem no telemóvel. 


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