Já aqui falamos de racismo. Hoje não vamos falar bem disso mas mais ou menos. Não se podem queixar da repetição de temáticas aqui no blog porque até vou variando. Menos naquela vez que foram 4 ou 5 textos seguidos sobre cinema, aí admito que não houve muita variedade, mas era só para chatear o Tolentino. Se se quiserem queixar de alguma coisa podem-se queixar do texto do Jorge Abel, que era só linhas e linhas, sem pontinhos para arejar o panorama. Depois vem-se queixar que ninguém leu, mas alguém tem paciência para ler tanta coisa? Parece que estamos em Português, a dar os «Lusíadas» ...
Mas adiante que falar do texto do Jorge Abel enerva-me. Nem me avisou que ia escrever para eu alertar as pessoas. Só me ligou a dizer que já tinha escrito um texto e para eu fazer os sublinhados e partilhar. Parece aquelas pessoas que dizem «não leves a mal o que te vou dizer mas és um grande filho da puta». Obrigadinho por avisarem! A sociedade não evoluiria se não fossem pessoas como vocês a avisarem dos actos que iam cometer. O Jorge Abel fez igual, mas pior, porque não me envolveu só a mim mas também ao Tolentino, ao Teófilo (apesar de tudo ainda o considero um colaborador) e às pessoas que vêm ler.
Não me posso enervar tanto que ainda volto a ter uma úlcera. E sempre que tenho uma úlcera dá-me uma reacção alérgica que me rebentam feridas nos lábios, que toda a gente diz logo que é herpes mas não é. O que me fez pensar que ter herpes e ser preto deve ser mais ou menos a mesma coisa. Vejam lá porquê:
- Quando uma pessoa tem herpes (ou outras feridas no lábio que parece herpes mas não é!) é tão julgada pela aparência como se fosse preto. Num caso as pessoas pensam logo que és promíscuo, no outro pensam que és burro ou criminoso;
- Quer se tenha herpes ou se seja preto, qualquer pessoa que passe por ti na rua que não tenha uma coisa, nem seja a outra se sente automaticamente superior a ti e pensa que te pode passar à frente nas filas dos bancos ou que não te pode apertar a mão com risco de apanhar doenças;
- Quando se tem herpes, as pessoas não sabem nada sobre ti mas enquadram-te logo num estereótipo: és um badalhoco. Ao menos nisso, ser preto é mais completo porque há uma gama muito mais ampla de estereótipos associados mesmo sem saberem nada de ti além da cor da pele;
- Independentemente do que se seja ou faça, quer se tenha herpes ou se seja preto, as pessoas que não te conhecem de lado nenhum acreditam plenamente que não vales nada, não fazes nada de jeito e és um lixo da sociedade;
- Quando se tem herpes as pessoas que passam por ti na rua pensam que nunca se envolveriam com uma pessoa como tu, com herpes. Nisto ser preto é um bocadinho pior, porque além de pensarem que não se envolveriam contigo, desejam que os filhos também nunca se envolvam e que ia ser o maior desgosto da vida;
- Quando se tem herpes ou se é preto as pessoas sentem repugnância em falar contigo, em olhar para ti ou em tocar-te. Apertam a mão ao arrumador que lhes pede um cigarro e dão beijos ao cão, mas não querem correr o risco de apanhar a mesma doença que tu (mesmo que não seja herpes e seja só uma reacção a uma úlcera!);
- Consegues facilmente ver que uma pessoa sente nojo de ti quando tens herpes ou quando és preto por algumas expressões faciais impagáveis e que davam excelentes fotografias para o Cartão do Cidadão (em vez daquelas tipo passe que parece que foram tiradas na cadeia). Mesmo que as pessoas digam que não faz qualquer diferença, só o fazem para não serem consideradas discriminadoras;
- Quando se tem herpes ou se é preto, o discurso é o mesmo: «Volta para a tua terra!». Em ambos os casos não sei bem de que terra falam, se há uma espécie de «Planeta dos Pretos» ou «País do Herpes» em que vivam lá todas as pessoas que sejam uma coisa ou tenham a outra. O certo é que essa terra pode ser em qualquer lado menos no mesmo sítio que essa pessoa que disse essa frase;
- Quando se tem herpes ou se é preto é-se distinguido por essa característica. Ninguém se refere a ti pelo teu nome, profissão ou talento mas por «aquele teu amigo que tem herpes» ou, mais popular, «aquele teu amigo preto»;
- Por último, quer se tenha herpes ou se seja preto, o rótulo é igual: é uma pessoa diferente. Uma ferida no lábio ou uma cor de pele é o suficiente para se considerar isso como uma característica da personalidade.
Como vêem, não sou preto mas sei bem o que eles sofrem, porque graças à merda das úlceras, tive uma reacção que me provocou umas aftas no lábio, que rebentaram, e toda a gente pergunta se tenho herpes. E os que não perguntam é porque o assumem e tentam não me tocar ou não falar comigo para eu não lhes pegar através do olhar. Quase que dizia que eu e os pretos estamos no mesmo patamar mas não é bem assim. Eles têm a «Liga contra o Racismo», no futebol estão sempre a ameaçar que castigam as equipas se houver racismo e uma pessoa pode ir presa se for racista. Quer dizer, pelo menos se matar um preto acho que vai presa e isso é ser racista. Mas ninguém vai preso por me discriminar por causa das feridas que tenho no lábio que toda a gente pensa que é herpes mas não é!
P.S.: Usei muitas vezes a palavra «preto» no texto mas isso não é ser racista. Racista era dizer «escarumba», «barrote queimado», «diferente», «ser inferior», «coitadinho» ou «chocolate». Racista também era dizer que o único motivo pelo qual tenho herpes é porque existem pretos no mundo. Mas não sou humorista, não podia mandar piadas destas. Também não sou racista, pelo contrário, sei o que eles sofrem e até estou do lado deles, como podem ver por este texto. Claro que esta ferida me vai passar daqui a 2 ou 3 dias e nunca mais me lembro disto, mas o que interessa é o aqui e agora e, neste momento, estou do lado dos pretos.
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