Estou desempregado. Inicialmente por opção, depois por gosto e, ultimamente, por falta de opção. Cheguei aquele momento em que quando encontro algum conhecido ou semi-amigo que já não vejo há algum tempo e me perguntam o que tenho feito, a primeira frase que digo é «estou desempregado». Não sei porque o digo quando nem sequer foi essa a pergunta que me fizeram, mas reparei que o faço automaticamente, tal como outros conhecidos e semi-amigos me dizem quando lhes pergunto o mesmo, numa mesma situação. Acho que é uma prática comum entre desempregados de longo termo que nem sequer nos apercebemos mas que fazemos.
Para verem como encarnei mesmo o papel de desempregado até falei como se fosse «nós» e como se fosse tomar café com outros desempregados de longo termo daqui da zona e falássemos de como o governo mente na taxa de desemprego, de como as formações do centro de emprego são enfadonhas ou partilhávamos histórias de primos que tinham trabalho a contrato em empresas e que depois quando vieram embora ficaram sem subsídio de desemprego. Não sei se é isto que os outros desempregados a longo termo fazem, mas é o estereótipo vigente e, como sabem, sou grande amante de estereótipos e quando não sei nada sobre uma situação guio-me pelos estereótipos sociais, que normalmente estão certos.
Por isso, fugindo ao estereótipo social do que fazem os desempregados, não pensei em formas de arranjar emprego mas em empregos que eu não me importava de ter. Como as ter não sei, apenas vou pensar como seria se as tivesse, como bom desempregado a longo termo que sou:
- Guarda-Florestal: à parte de ter que andar com uns calções que até os escuteiros me podiam gozar, ia ser um emprego do qual ia gostar. Além de chatear casais que estivessem a criar clima em plena floresta, até esconder-me e atirar pedras a moços que fossem a correr só para os arreliar, passando ainda pela possibilidade de inventar mitos e piadas com ursos pardos. Por exemplo, quando visse um casal quase a passar dos beijinhos para a penetração, interrompia-os para avisar que andava um urso pardo à solta e que para segurança deles, tinham que sair dali imediatamente. Mal eles fossem embora partia-me a rir e já tinha o dia ganho;
- Empresa de fogo-de-artifício: adoro fogo de artifício. É uma das coisas que me aproxima a 90% da população. Sou daquelas pessoas que quando apanha fogo de artifício por casualidade, pára e fica a ver. E quando sei que vai haver fogo de artifício em algum lado procuro ir ver. Sempre que vejo fogo de artifício penso em duas coisas: 1) como gostava de trabalhar numa empresa de fogo-de-artifício e passar o dia todo a testar cenas novas e a mandar fogo para o ar e assustar os pássaros; 2) como é genial aquele filme de zombies em que os humanos usavam o fogo-de-artifício para distrair os zombies e irem buscar comida ou fugirem deles. Essa é muito boa, mas o meu truque para fugir de zombies era andar sempre com bocados do frango que eu não gostasse e quando eles viessem atrás de mim atirava-lhes o frango e eles ficavam para trás a comer, que eles comem tudo;
- Gasolineiro: adorava ser gasolineiro. A melhor parte era quando algumas pessoas menos informadas me perguntassem «fazes gasolina?» e eu respondesse: «Não. Meto-a pelos outros e ainda recebo gorjetas por isso». Uma vez estava a falar com o Lucindo e ele disse-me que adorava pôr gasolina e que se arranjasse 10 pessoas que lhe pagassem para ele ir pôr gasolina, deixava de ser picheleiro e fazia isso. Nesse momento, senti uma grande afinidade com o Lucindo de modos que me senti obrigado a convidá-lo para a minha festa de anos. Mais tarde, vim a saber que esse era o critério dele para ser amigo de alguém, tal como é um dos meus;
- Actor Pornográfico: já falei muito sobre actores pornográficos e sobre as minhas dúvidas de como entrar para esse mundo. A verdade é que eu adorava ser actor pornográfico. Não era actor, porque há diferenciação entre actores e actores pornográficos, nem sequer almoçam na mesma mesa da cantina, pagavam-me para encavar moças com atributos reforçados e, além disso, quando saísse à noite, a minha frase para as moças ia ser imbatível: «Miúda, eu contigo não fazia um filme, fazia um romance»;
- Videoclube: aqui, o grande atractivo, além de estar rodeado de dvd's, filmes e séries, era o de ser pago para ver e estar informado sobre filmes e séries, de modo a poder recomendar os mais adequados aos clientes ou conversar sobre isso com os mais habituais ou com amigos que soubessem que eu trabalhasse lá e fossem lá só para passarem tempo. Basicamente, podia continuar a fazer o que faço agora (ver o Hollywood e o Fox Movies ininterruptamente) mas com um objectivo laboral;
- Loja de electrodomésticos: toda a gente tem conhecimento, o mínimo que seja, sobre electrodomésticos e como funcionam. E, quando não se sabe mais do que o básico, basta ler um livro de instruções na pausa de almoço ou ir pelo estereótipo social e faz-se um bom trabalho. Porém, o grande atractivo deste emprego é que qualquer coisa que eu dissesse ao cliente, em 90% dos casos, ia contar como a «opinião de um especialista». Não é todos os dias nem em todos os empregos que se tem disso;
- Livraria: pouca gente vai às livrarias e, dos poucos que vão, muitos deles sabem o que querem, logo, não precisam da ajuda do funcionário. Podia continuar sossegado atrás do computador a fingir que estou a actualizar os stocks quando estou no Facebook a falar no chat com gente que esteja online porque está desempregada ou porque tem um trabalho que lhe permite isso. Além disso, ninguém desarruma livros para os experimentar como fazem nas lojas de roupa ou de calçado e ainda dá pinta dizer a uma moça «trabalho numa livraria». Dá um ar de intelectual mesmo que não perceba nada de livros;
- Departamento de Marketing: o lado mais apelativo de trabalhar num departamento de marketing é que podia dizer o que me apetecesse e a maior estupidez que me lembrasse. Porquê? Simples: dizem que em marketing não há ideias estúpidas ou más, só existem ideias mais aceites e consensuais. Por isso, ia ser fácil demais trabalhar nesta área e o segredo é simples: desde que dissesse alguma coisa nunca era despedido. Claro que volta e meia tinha que dar ideias em condições senão começavam-me a topar.
Como vêem, em qualquer uma destas possibilidades sentia-me feliz e bem-estar no local de trabalho. Eventualmente, quando encontrasse algum semi-amigo na rua e ele me perguntasse «então, que tens feito?» eu dizia-lhe que andava a ser feliz no meu local de trabalho. Quer dizer, agora que leio o que escrevi acho que não dizia isto, que parece-me demasiado alegre e revelador e todos sabemos que algo «alegre e revelador» é sinónimo de «gay», ainda que hoje em dia não possa dizer isto porque sou discriminado por ser discriminador. Mas pronto. Destes todos trabalhava em qualquer um. Só não trabalhava era na fábrica de tintas onde está o Jorge Abel, que ia ter que ir para o trabalho com ele todos os dias porque vivemos perto e se o pessoal da fábrica nos visse a chegar separados começava logo «então vocês vivem nem a 5 minutos um do outro e não vêm juntos? Que estranho». E toda a gente evita ser «o estranho» no local de trabalho.
P.S.: Além de não querer trabalhar na fábrica de tintas do Jorge Abel também não queria ser urologista, podologista, dentista, cozinheiro, nadador salvador, actor, empreiteiro, administrador do condomínio nem jardineiro. Um dia destes explico os motivos para cada uma dessas profissões. Mas é um dia destes, não vai ser hoje, aqui, no final de um texto sobre empregos que não me importava de ter. Depois eu é que sou o comido que digo e faço coisas sem sentido.
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