segunda-feira, 2 de junho de 2014

A carta que tive que enviar para o moço que trabalha na CapriSonne


O facto de andar a tomar a medicação que o Dr. Romão me recomendou, de forma regular, aliado ao facto de andar cheio de trabalho e com clientes novos impediu-me de investir no universo da escrita de cartas. No entanto, não pensem que deixei de ter críticas e questões a colocar a algumas empresas e instituições. Por exemplo, no outro dia fui fazer um serviço a casa de um cliente, cujo nome não vou divulgar de forma a manter o sigilo profissional que um picheleiro deve obedecer, e este, além de ter uma canalização toda obsoleta e um cifão da cozinha podre, tinha uma Black & Decker que passados 20 segundos avariou. Enfim. Só não fiquei furioso com a Black & Decker porque nesse dia levei um CapriSonne de laranja fiado no que o moço que trabalha na CapriSonne me escreveu. E fiquei tão furioso que optei por escrever esta carta a esse moço:



«Viva,



Digo «viva» e não «bom dia», «boa tarde» ou «boa noite» para marcar uma posição, em que o «Viva» mostra um descomprometimento e ausência de qualquer relação pessoal mas mantendo a postura educada e politicamente correcta que sempre me caracterizou a mim e à classe dos picheleiros honestos que tanto prezo e que tanto procuro que tanto procuro que se mantenha activa e com o maior número de elementos possível. Infelizmente, ainda há muitos picheleiros que preferem uma vida de lucro a uma vida de honestidade. Assim como há outros trabalhadores que preferem uma vida de não-verdades a uma trajectória de honestidade. E com esta última frase dirijo-me a si.




Provavelmente, referir-me-ia a si como «tu» pelo facto de ter sido o único a responder-me à carta que enviei à CapriSonne e por, além disso, se ter lembrado de mim após uma despedida de solteiro que o fez reflectir sobre a condição da vida. No entanto, isso não nos torna amigos. O que nos tornava amigos era convidares-me para a tua festa de anos e não me dizeres mentiras. Estou tão revoltado que vou esquecer o tratamento na 3ª pessoa e vai mesmo na segunda pessoa. Nunca percebi isso de segunda e de terceira pessoa. Imagina que estamos num grupo de três pessoas, vou chamar «tu» à segunda pessoa e «você» à terceira? E como se atribui o critério? Por ordem de chegada, de importância ou pela relação pessoal que se tem com cada uma dessas pessoas?



Mas adiante, que não foi sobre as incongruências do nosso idioma que te escrevi. Apesar de, um dia no futuro, na eventualidade de ultrapassarmos este diferendo e de eu ser convidado para a tua festa de anos, podermos eventualmente falar sobre isso. Escrevo-te por causa daquilo que disseste sobre o departamento responsável pelo CapriSonne de laranja estar com moços novos e mais alegres e que, por isso, os sumos iam sair melhores e menos azedos. Comprei um CapriSonne de laranja por tua recomendação no outro dia e bebi-o entre trabalhos. Adivinha: soube-me horrivelmente. Antigamente eram só azedos, agora sabiam-me mesmo mal. O primo do Ilídio e os brasileiros até podem ser bons moços mas de certeza que o ambiente no trabalho é tão bom que até lhes dá para a bandalheira e não ligam nada ao que estão a fazer. Disso eu percebo, que antigamente tinha um ajudante, o Joca, que era filho do meu amigo Monteiro e ele era certinho e bom trabalhador. Mas um dia deixou-me sozinho a desentupir uma fossa de um restaurante enquanto estava a ter relações sexuais com a proprietária do restaurante. Depois o marido descobriu e disse-me que nunca mais me ia contratar. Por acaso, passados uns anos ele casou com uma amiga da minha mulher, que por acaso não se chama Marília, e voltou a contratar-me porque passou a acreditar em segundas oportunidades desde que o segundo casamento lhe correu melhor que o primeiro. 



Voltando ao assunto, para veres que estou tão chateado com isto e contigo que nem me perdi nem me pus para aqui a divagar eternamente: das duas uma, ou deixas de te responsabilizares pelo que os teus parceiros lá do departamento do CapriSonne de laranja fazem ou então, se quiseres voltar a impingir-me CapriSonnes de laranja, fá-lo só depois desses moços terem ido aprender com os que fazem os CapriSonnes de Safari Fruits ou até mesmo com os que fazem os Multivitamínicos. Nem precisam de saber fazer um sumo tão bom como os que fazem lá os Frutos do Safari, apenas melhor do que andam a fazer nos de laranja. E sim, disse Frutos do Safari, que acho que ficava muito melhor e ia ter muito mais saída aqui em Portugal do que se dizer em inglês. Por isso é que as pessoas compram os sumos de laranja, porque não se lembram do nome em inglês e o «multivitamínico» é uma palavra de 7 sílabas e nem toda a gente tem essa capacidade.



Agora, para acabar esta carta, digo-te que tenho todo o gosto em ir comer um bife contigo e enquadrar-me no teu critério da amizade, até porque gosto bastante de bifes. Uma vez escrevi lá num blog que me convidaram para participar que os bifes têm sempre formas de países ou de continentes e essa é sempre uma conversa que revela conhecimentos geográficos. Eu, por exemplo, não sei quem é que foram os reis de Portugal nem sei quem é que ganhou as Guerras Mundiais, mas sei as capitais da Europa todas, os rios todos de Portugal e a tabuada até aos 12 de cor. Mas devido à tua mentira quanto aos CapriSonnes de laranja e já que não sei onde arranjar cobras para te mandar pelo correio e nem sei se os portes me iam ficar caros ou não, prefiro mandar esta carta. Se deixares de dizer mentiras, se deixares de me impingir os CapriSonnes de laranja e me deixares ser feliz com os frutos do safari, se me convidares para a tua festa de anos e se formos comer um bife está tudo resolvido entre nós. Quem sabe até te posso fazer o desconto para amigos em serviços de picheleria, que até agora só fiz ao Gary e ao meu sogro.



Do teu não-amigo ou amigo por confirmar e que ainda está bastante chateado por ainda ter resquícios daquele sabor do CapriSonne de laranja que bebi naquele dia e que demorou a sair porque fui logo ao café comprar qualquer coisa para me tirar o sabor da boca mas eles só tinham Compal de pêra, o que agravou ainda mais os sentimentos de raiva pela situação, apesar de não ser totalmente culpa tua e, por isso, ainda poderes ir a tempo de emendares o erro,



Lucindo Sampaio de nascença, Lucindo Sampaio Bonifácio desde o feliz dia em que o meu sogro pagou a boda que me roubou o apelido mas que me deu a melhor pessoa que tenho ao meu lado e com quem partilho o gosto por CapriSonne Safari Fruits e o ódio pelos CapriSonnes de laranja. Já agora, vou-te chamar Hugo, porque se te chamo Vanessa a minha querida esposa ainda pensa que estou a falar com uma mulher, pede-me o divórcio por tua causa e aí não havia bife nem festa de anos que te valesse. »


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