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quinta-feira, 10 de julho de 2014
A vida podia ser como uma nota de 5€: simples mas valiosa
No entanto, não é bem assim. Esta conversa tive-a com o Venâncio no outro dia, quando falávamos de como a vida é complicada e como as pessoas ainda a tornam mais complicada ainda. Tivemos este tempo todo para falar porque é Julho, está um montão de gente de férias na fábrica e então todos temos menos trabalho e mais tempo livre. O Venâncio até já me disse que aprendeu a jogar aquele jogo das minas no computador e teve tempo para criar uma sessão dele no computador da entrada, assim o moço do turno da noite quando jogar Freecell estraga a estatística ao «Geral» e não na sessão do Venâncio. Já antes de falar com o Venâncio, por várias vezes, tinha pensado como a vida é demasiado complexa quando podia ser tão fácil. A primeira vez que falei sobre este tema foi com o Sebastião. Ele disse-me que a vida é como aqueles jogos de computador em que nós jogamos no «Fácil» e chegamos ao fim sem dar pica. Depois jogamos no «Médio», dá mais pica e tem mais dificuldade mas chegamos ao fim na mesma. Depois vamos jogar no «Difícil» estamos sempre a perder e a levar pancada, desistimos e jogamos outra vez no «Médio».
Uma vez, quando ia levar o meu tio a Felgueiras, ele disse-me que levar uma moça para a cama era fácil, difícil era conseguir que ela no fim nos emprestasse dinheiro para o táxi, esquecendo-se que tínhamos sido nós a dar-lhe boleia até casa ou até ao hotel. Isso fez-me pensar em como cada pessoa vê a vida de uma maneira muito pessoal. O meu tio disse-me que era fácil levar uma moça para cama mas era difícil pedir-lhe dinheiro emprestado, quando para mim é bastante difícil levar uma moça para a cama, mas ainda anteontem eu só tinha uma nota e a Vera da Contabilidade pagou-me o café lá na máquina da fábrica. Lembro-me que a Xana da cantina uma vez me disse que nem todas as moças gostavam que as levassem para a cama e que ela, por exemplo, se contentava em que eu a levasse para a casa-de-banho ou para a dispensa da cozinha. Nunca tinha entrado numa dispensa da cozinha, mas já tinha entrado uma vez por engano numa casa-de-banho de mulheres. Passados uns dias fui ter com a Xana e perguntei-lhe se podíamos ir ver a dispensa mas ela disse-me que não porque estava lá o Sr. André. O Venâncio tem razão, as promessas das moças têm prazo de validade.
O Gary sempre me disse que nunca devemos fazer pelas moças mais do que um quarto daquilo que elas podiam fazer por nós, porque isso ia fazer com que elas elevassem as expectativas para o sexo masculino, ia aumentar os padrões de exigência e a percentagem de solteiros crónicos ia aumentar drasticamente, pondo em perigo a humanidade. Por outro lado, o Venâncio sempre me disse que devemos exigir às moças um quarto daquilo que elas nos exigem a nós, de maneira a que elas tenham o poder da relação e assim, se um dia acabar, quem comandava é que tem culpa, não nós. Toda esta confusão levou a que repensasse a minha situação com a Vera da Contabilidade. Ela a mim só me exigiu que eu fosse sempre sincero, que nunca traísse a confiança dela e que lavasse sempre as mãos depois de ir à casa de banho, mas o Venâncio sempre me disse que as maiores exigências das moças são aquelas que elas nunca nos disseram. O que é estranho, já que o meu tio me diz que as únicas exigências que as moças lhe fazem é que ele pague adiantado e em dinheiro.
Até com o meu patrão falei sobre isto, que ele é divorciado e, por isso, percebe mais do assunto. Além disso, todos os anos conduz um seminário sobre assédio sexual e o Venâncio disse-me que desde que ele lá está que já entrevistou no escritório dele umas 10 secretárias, ainda que a secretária dele seja a mesma desde 2005. Encontrei-o na pausa para o café, que ele estava a fumar um cigarro e ele disse-me que o segredo em ter sucesso com as mulheres é como o segredo para deixar de fumar: toda a gente sabe qual é mas é tão difícil de conseguir que uma pessoa passado algumas tentativas desiste de vez. Perguntei ao meu patrão o que é que achava mais complicado, a vida ou as moças, e ele disse-me que eram as moças porque se não existissem moças a vida era muito mais simples. Fiquei a pensar nisso por um bocado e não concordei com o meu patrão. Além da Vera, na Contabilidade trabalham lá mais 5 moças e o Sr. Matos. Depois tem a Xana na cantina e as empregadas de limpeza são todas mulheres. Sem mulheres, ia gastar um dinheirão a ir almoçar todos os dias ao café, que o Sr. André só sabe fazer torradas e tostas mistas.
Depois de tudo isto acabei por tirar uma conclusão: as pessoas é que complicam a vida. O meu tio disse-me uma vez que para se levar uma vida tranquila é preciso não dever dinheiro a ninguém, não ter dormido com a mulher de ninguém importante e não ter agredido nenhum polícia. O Sebastião disse-me que que para se levar uma vida tranquila é preciso ter-se um sistema para se garantir que se fechou o carro e que se desligou o gás. Isso não me ajudou em nada com as minhas dúvidas perante a Vera, mas lembrou-me que a minha mãe às vezes se lembra de ligar o gás para não gastar luz, porque o gás é mais barato que a luz. O Venâncio disse-me que a vida deve ser vivida como uma nota de 5€: é simples, muita gente não lhe dá o devido valor, mas é valiosa e quando nos inteiramos, já gastamos os 5€ em coisas fúteis. Depois deste conselho do Venâncio, decidi mandar uma mensagem à Vera mas não consegui porque não tinha saldo. Só depois de sair da fábrica é que fui carregar o telemóvel, com uns valiosos 5€. Valiosos porque foi à custa deles que consegui mandar mensagem à Vera da contabilidade.
P.S.: A Vera respondeu-me pouco depois de lhe ter mandado mensagem. Disse-me que hoje o dia na Contabilidade tinha sido caótico e que ela nem saiu do gabinete para ir almoçar, que comeu um chocolate da máquina. Perguntei-lhe que chocolate e ela disse-me que gostava de estar comigo hoje à noite. Eu fiquei contente pelo interesse dela em estar comigo quando podia muito bem ficar em casa a jogar Candy Crush no telemóvel, que eu sei bem como ela gosta disso, mas fiquei sem saber que chocolate é que ela comeu. É que uma vez comi um Snickers e aquilo deu-me bem para uma tarde inteira, mas já houve um dia em que comi um Kit Kat e passados vinte minutos estava a comer uma torrada. Certo é que fiquei a pensar se ela tinha comido um Kit Kat e passado fome o dia todo ou se tinha comido um Snickers e tinha ficado bem o resto do dia. Percebi que a Vera é a minha nota de 5€ que eu vou guardar na minha carteira e só gastar quando for mesmo necessário. E quando digo carteira, digo o meu coração, foi uma metáfora. Se eu tivesse aprendido isto na escola, as minhas composições nos testes de Português davam para eu subir para o 4.
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Jorge Abel,
ResponderEliminarTenho que te dar mérito por esse título.
Mas diz-me: as notas de 10€ também são simples. Com o IVA a 23% as notas vão num instante e, por isso, também se tornam valiosas.
Quais acham que seriam as diferenças entre uma vida que fosse como uma nota de 5€ e uma vida que fosse como uma nota de 10€?
A grande diferença é que se a vida fosse como uma nota de 10€ custava mais a perdê-la e sabíamos sempre que havia uma forma mais simples de viver. Eu pelo menos falo por mim, às vezes gasto 5€ sem dar por isso mas quando gasto 10€ já me custa mais no dia a seguir.
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