terça-feira, 27 de maio de 2014

Se soubessem como começou o meu dia iam querer saber mais


Pelo menos foi o que o Venâncio me disse hoje, quando me estava a vir embora da fábrica. Sim, é verdade, fui para lá de manhã e passados 20 minutos já estava a vir embora. Levantei-me cedo, fui apanhar o autocarro para ir para a fábrica e até estava bem disposto que tocou o telemóvel de uma senhora que ia no autocarro e o toque dela era aquela música «La Bamba». Vim a cantarolar isso o resto da viagem, até gostava que ela não tivesse atendido a chamada e tivesse deixado o telemóvel sempre a tocar para ouvir a música mais tempo. Mas depois cheguei à fábrica, cumprimentei o Venâncio e perguntei-lhe como estava a situação geo-política no Uzbequistão, que ele é uma pessoa informada, e ele disse-me que não me esperava ver na fábrica hoje. Por momentos fiquei aterrorizado com a ideia do Venâncio sofrer de amnésia e não me reconhecer ou de ter sido despedido durante a noite sem eu saber, mas depois ele é que me explicou que hoje tinha-me calhado a mim fazer banco de horas.



Achei um piadão à expressão «banco de horas». Só me imaginei a ir a um balcão do BNH, o Banco Nacional de Horas e dizer «bom dia, gostaria de fazer um depósito. São 25 horas». Perguntei ao Venâncio o que era um banco de horas e ele disse-me que era algo que permitia às pessoas ter uma folga a meio da semana. Perguntei quem é que tinha folgado ontem por causa do banco de horas e ele disse-me que tinha sido a Lúcia. Não conheço nenhuma Lúcia, mas se o Venâncio me diz que foi uma Lúcia a ter folga ontem, eu acredito. Quer dizer, por acaso até conheço uma Lúcia mas é de nome: a Lúcia Piloto. Se há apelido que eu não gostava de ter era «Piloto». Imagino-me a dizer às pessoas «chamo-me Jorge Abel Remoinhos Piloto» e as pessoas dizerem «aaaaah! é piloto!» e eu ter que dizer «não sou nada, quer dizer sou só de nome» e ver a desilusão estampada na cara das pessoas. É que eu também nunca conheci um piloto e até me sentia entusiasmado se aparecesse alguém que poderia ser um piloto e depois desiludia-me se ele não fosse. 



Falei um bocado com o Venâncio, cumprimentei o Sebastião e decidi ir comer um bolo à cantina. Estava a pensar numa nata, que a nata é o único bolo que podemos comer de manhã sem sermos considerados gordos ou que temos uma alimentação descuidada. A Xana não estava na cantina, quem me serviu foi o Sr. André, que por acaso também veio jogar connosco ontem porque faltava um e então o Lino convidou-o. O Sr. André parecia uma pessoa simpática mas detestei jogar contra ele. Fez-me para aí 30 faltas durante o jogo todo mas só uma é que foi marcada. Sempre que ia disputar a bola com alguém dava chutos nas canelas e joelhadas na coxa. E ainda por cima no fim pediu-me um bocado de champô emprestado e usou duas vezes porque disse que o meu champô era fixe. E o pior é que falou comigo de manhã como se fosse um cliente normal e desconhecido e não como alguém que tinha ido jogar futebol com ele no dia anterior e que lhe tinha emprestado champô! O meu tio sempre me disse que melhor que ter um amigo é ter um inimigo e que é mais difícil fazer um inimigo a sério que um amigo a sério. Hoje vi como ele tinha razão: foi fácil ser amigo do Gary, do Sebastião ou do Tolentino mas só depois desses todos é que arranjei um inimigo: o Sr. André do bar. 



À custa desta rivalidade e inimizade que fiz logo de manhã até me soube mal a nata. Mais valia ter pedido um jesuíta, que é bolo sem creme e era impossível o folhado saber-me mal. Só se fosse a parte de cima a saber-me mal. O Venâncio sempre me disse que um livro não se julga pela capa, que nem tudo o que reluz é ouro e que as aparências iludem. Do mesmo modo, um bolo também não se deve julgar pela cobertura e por isso é que as pessoas que gostam de jesuítas a sério gostam é do folhado por baixo da cobertura, enquanto eu que não gosto de jesuítas, quando como, só vale a pena pela cobertura. Não sei porque estou agora a falar de jesuítas quando devia era estar a falar do meu inimigo mortal. Quando vinha embora, passei pelo Venâncio e perguntei-lhe o que é que ele achava do Sr. André do bar. O Venâncio disse-me que não tinha opinião concreta porque por um lado achava-o bom moço, mas por outro, uma vez deu-lhe boleia até à fábrica e ele deixou o vidro do passageiro aberto até baixo. Ao saírem, o Venâncio perguntou-lhe se ele tinha fechado o vidro e ele disse que sim. Depois o Venâncio foi lá ver, passado uma hora e tal, e estava o vidro todo aberto. 



A viagem de volta não teve nada a ver com a viagem de ida. Estava a pensar em como derrotar o meu inimigo mortal. Mandei mensagem ao Gary a dizer que tinha feito um inimigo e a dizer que era o Sr. André do bar. O Gary respondeu-me a dizer que ninguém chama «Sr.» a um inimigo e que «André» não é nome de inimigo. Nome de inimigo era «Mário» ou «Navalhas». Depois disse-lhe que hoje estava de folga e perguntei-lhe o que é que ele ia fazer de tarde mas ele não me respondeu mais. Desta vez, no autocarro, não veio ninguém com um toque no telemóvel de jeito. Pelo contrário, até veio uma senhora que o toque dela era um bebé a chorar e ela não atendeu porque estava a fazer palavras cruzadas. Se há coisa que eu não conseguia fazer num autocarro era palavras cruzadas. Também não conseguia falar com o Sr. André do bar num autocarro. Mas isso é porque ele é o meu inimigo. Podia esquecer isso, mas aproveitei a manhã em casa para pôr gelo na perna por causa das cacetadas que ele me deu ontem durante o jogo todo, antes de me roubar o champô. 







P.S.: Enquanto estava a pôr gelo nas pernas por causa do meu inimigo mortal, mandei mensagem à Xana a perguntar-lhe se estava tudo bem. Ela respondeu-me «Tá» por isso fiquei mais descansado. O Sr. André do bar podia ter tentado fazer-lhe mal em nome da nossa rivalidade e inimizade. Depois lembrei-me e mandei mensagem à Vera da Contabilidade. Já que ela é desse departamento e faz contas e percebe de números perguntei-lhe se me podia explicar o que era um banco de horas. A Vera da Contabilidade respondeu passados 2 minutos a dizer que me podia explicar isso e mais coisas que eu não percebesse no café, logo à noite. Por mim tudo bem, mas vou ter que esperar ainda mais horas para perceber uma coisa que me impediu de ir trabalhar hoje.


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