Disseram-me que eu tinha um blog em que só falava de porcaria e não informava as pessoas de nada de jeito. Perguntam vocês quem é que me disse isto e eu sou sincero: ninguém. Aliás, não foi ninguém, fui eu que disse a mim mesmo. Mas não o disse em tom de crítica, pelo contrário, disse-o orgulhoso por aquilo que tenho conseguido fazer aqui: ter 4 ou 5 pessoas a ler a porcaria que eu deito cá para fora em vez de ser só eu ou ocasionalmente uma pessoa que me apanhe em transportes públicos e que consiga ler o pensamento.
Perante isto, decidi manter o meu registo pessoal de inundar a vossa vida com porcaria acessória que ninguém queria saber mas que, de outro modo, ficaria presa para sempre no meu cérebro. E sabemos bem o que acontece aos que ficam presos para sempre: deixam crescer a barba, descuidam-se na higiene, ficam malucos e acabam por se apaixonar pelo seu companheiro de cela. Assim, entre ficar assim ou deixar-vos perplexos, não hesito em optar pela segunda via.
O meu delírio de hoje é algo que nunca vi ninguém a pensar. Dizem que o Tony Carreira é um cantor romântico e que as letras dele reflectem bem o amor e o estar apaixonado. Eu digo que não. Eu digo que as letras dele reflectem sim a relação dele com a esquizofrenia, em várias etapas. Se não acreditam, fiquem para ler os meus argumentos poderosíssimos:
- «Depois de tantos erros loucos só agora é que vi, que eras tu, a metade de mim eras tu»: mas alguém me quer convencer de que o Tony Carreira não está a falar da esquizofrenia de que sofre? Baseio-me em três coisas: 1) no título do post e na minha convicção incrível que é verdade; 2) nos erros loucos, que é algo normal nos esquizofrénicos, não avaliam bem a realidade os moços; 3) no facto de ser «a metade de mim». Havia aí um filme no cinema que o Jim Carrey fazia de esquizofrénico e que a capa do filme era a cara dele dividida em metade e o filme chamava-se «eu, ela e o outro». Tal como o Tony Carreira, era esquizofrénico;
- «Só a velha guitarra ficou comigo, só a velha guitarra não me deixou, nunca me abandonou este amor antigo»: o que é isto, Tony? Foi por estas merdas que tiveste que ser medicado e com dose industrial. A tua melhor amiga era uma velha guitarra, que nunca te perguntou nada do teu passado e do teu presente e só ela entende aquilo que és? Tiveste sorte de só te terem receitado os comprimidos e não te terem internado e obrigado a usar um daqueles colete de forças. É que se fizesses uma música a dizer «só o velho carneiro ficou comigo» ainda pensavam que estavas a falar de signos, agora assim não enganas ninguém;
- «Sonhador, sonhador, mas ao menos a sonhar; tenho amor, tenho amor, que não tenho ao acordar»: ok, Tony Carreira, assim a esquizofrenia até parece algo bom, mas ambos sabemos que não é. E não é com músicas destas que vais ser útil às crianças que não sabem o que é ser esquizofrénico. O mundo do sonho nunca é melhor que a realidade, acredita, porque já sonhei várias vezes que era comido por dinossauros e na realidade, felizmente, eles ainda não descobriram onde é que eu moro;
- «Nunca foi segredo, mais tarde ou mais cedo, eu tinha que te dizer 'Adeus, até um dia'»: claramente esta música foi feita no seguimento dos efeitos da medicação se começarem a sentir de forma clara. Ao início, quando o efeito ainda era menor, não havia segredo e mais tarde ou mais cedo a doença ia ser controlada. Ao ser controlada, teria que lhe dizer «adeus, até um dia», que é o dia em que o Tony Carreira não vender mais discos e não tiver mais dinheiro para comprar os comprimidos;
- «Eu sem ti, quem era eu sem ti, um eterno vagabundo à tua espera»: sabe-se que a esquizofrenia é uma doença que destrói completamente uma pessoa, apaga tudo aquilo que ela é, seja mau ou bom. Tony Carreira sabe bem disso e, por isso, cria uma música em homenagem ao psiquiatra que o recebeu e lhe receitou a medicação, visto que, sem este psiquiatra, seria um vagabundo, a vaguear pelo mundo da esquizofrenia, à espera de uma cura;
- «Depois de ti mais nada, nem sol nem madrugada»: claramente consciente do potencial negativo da doença, Tony Carreira reflecte sobre as implicações que esta tem para a sua vida. Depois da esquizofrenia não há mais nada, não há doença mais grave do que esta, apenas relativamente controlada pela medicação. Não há sol nem madrugada porque uma vez entrando no mundo negro da esquizofrenia, é para sempre;
- «Tu estás em mim, vá onde for, ande por onde andar, faça o que faça e eu faço a sonhar, contigo a todo o momento»: eu sei, Tony Carreira, esta doença é uma merda, não nos larga. Esqueces-te de tomar a medicação e é o fim do mundo. Os sonhos são horríveis e extremamente lúcidos, principalmente quando acordas dos sonhos e vês que estás no meio do autocarro ou na tua casa de banho, semi-nu, a lavar as paredes com Ajax.
Mas já agora o que é isto de estar semi-nu? É estar com 50% do corpo descoberto? E qual a diferença entre semi-nu e tronco nu? Porque é que quando estou na praia dizem que estou «de tronco nu» quando estou claramente três quartos de nu? E porque é que estar todo nu só de meias é considerado estar semi-nu? Alguma coisa ser «semi» não deveria indicar metade? Por exemplo, olhos semicerrados é quando estão meio abertos e meio fechados. Semi-frio de chocolate, é uma sobremesa com um nome um bocado amaricado mas que indica que nem é quente, nem é frio e também não é morno senão chamava-se morno em vez de se chamar semi-frio. E no futebol, as meias-finais também se chamam semi-finais. Só na porcaria do «semi-nu» é que o critério não é utilizado vá-se lá saber porquê.
P.S.: É sempre bom ter alguém famoso com o mesmo problema que nós. Uns revêem-se na Britney Spears porque no sexo gostam de dizer «baby, hit me one more time». Moços como o Batman e o Super-Homem gostam do Enrique Iglesias porque ele canta «I can be an hero, baby». E ainda há aqueles que se revêem no José Malhoa porque gostam de apertar com as moças. Não respeito nenhum dos três exemplos anteriores, mas fico contente por ouvir as músicas do Tony Carreira e saber que podia ter sido eu a escrevê-las, visto que a nossa condição de saúde é semelhante e ver que ninguém o julga apesar da sua doença.
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