Um dos tópicos que não é bom para se conversar em elevadores é música. Experimentem dizer a alguém, sem o conhecer, que quem ouve música punk gosta de arroz de cabidela com muito sangue e verão essa pessoa dizer que também gosta de arroz de cabidela com muito sangue e não gosta de punk. Aliás, vai-te dizer que ninguém gosta de punk, tirando os moços que gostam de arreliar os pais mas não o suficiente para se tornarem strippers. E tu acabas por ganhar um amigo para a vida à custa de partilhares esse pensamento sobre o punk. E ninguém quer um amigo para a vida, principalmente se se tornou teu amigo através de uma conversa num elevador.
O elevador é um meio de transporte em vias de extinção. Acho que as pessoas daqui a 50 anos vão-se rir de nós por termos perdido tanto tempo em elevadores, como nós nos rimos das pessoas nos anos 50 que iam para a praia vestidas, como se fossem uma gorda com auto-consciência. Pensando bem, devia de haver mais dessas hoje em dia, em vez de andarem aí de leggins à tigre e decotes a mostrar a banha do braço, enquanto comem um gelado numa esplanda mal aparece um raio de sol. E o problema é que não comem gelados normais, é logo daqueles Magnum Caramelo.
Mas não é de elevadores nem de moças gordas que vou falar hoje, isso era repetir temas. Claro que vou falar de música outra vez, mas já não falava há muito tempo, desde que disse que o Tony Carreira tinha esquizofrenia. Hoje vou explicar os motivos para se gostar de música portuguesa:
- Toda a gente tem a oportunidade de brilhar. Muitos dizem que não, que é só por cunhas mas se o Zé Cabra conseguiu, tudo é possível. Basta acreditar no vosso sonho e fazerem-se notar, seja por serem muito bons ou por serem incrivelmente maus. Mas há espaço para todos;
- Há igualdade de sexos, não havendo papéis estereotipados. Para verem como eu tenho razão (ao fim e ao cabo é o que interessa) não há só o Quim Barreiros com as suas letras de intervenção profundas (conforme já abordamos aqui no blog) mas também há a sua versão feminina, a Rosinha, igualmente profunda nas letras mas oferecendo o lado feminino;
- Nota-se na música portuguesa que há uma tradição familiar. Honra-se o valor da família e privilegia-se o princípio da hereditariedade, valorizam-se os genes. Por exemplo, há a família Carreira, em que o patriarca Tony luta contra a esquizofrenia, o filho mais velho Micael luta contra o assédio feminino e o filho mais novo David luta para conseguir ser um bocadinho mais ridículo todos os dias;
- Como no futebol, na música portuguesa há aquelas grandes promessas que aparecem em grande muito cedo, tipo aos 10 anos, todos antevêem ali uma estrela, faz um sucesso inicial estrondoso mas depois desaparecem tipo o Saúl, que fez uma música, lançou um CD com mais 6 ou 7 que ninguém conhece e depois fugiu para o Turcomenistão;
- Também como no futebol, acabamos por exportar artistas, uns de melhor qualidade, outros de mais fraquinha e duvidosa. Estes últimos, por vezes, até nos convencemos a nós mesmos que nunca foram portugueses, que já nasceram na Alemanha ou nos Estados Unidos. Mas havemos sempre de ter no nosso «campeonato» artistas como o Emanuel ou a Romana. Esses não saem de cá;
- A música portuguesa mostra evoluções imprevisíveis, capazes de deixar qualquer um estupefacto. É nos Estados Unidos que aparece uma apresentadora de um programa infantil, singela e inocente, a cantar músicas sobre o abecedário e que anos mais tarde faz shows de strip e aparece na televisão vestida à prostituta como a Ana Malhoa faz aqui?
- Quem dera aos Estados Unidos que a música deles fosse como a nossa. Aqui não é como lá, em que adolescentes mimadas fazem 1 videoclip e são super-estrelas milionárias. O bonito da música portuguesa é que a adolescente que virou super-estrela e milionária excêntrica fê-lo à base de ser pobrezinha e uma moça do campo parola, como a Floribella;
- Nenhum outro país dá tanto trabalho a moças como o nosso dá em termos musicais. Todos os cantores têm as suas bailarinas, pelo menos três ou quatro. E aqueles que não têm, quando vão fazer play-back à televisão, tipo ao programa do Goucha ou à Praça da Alegria, eles têm lá sempre duas ou três moças com calças de cabedal e casacos com pele de urso pardo a dançar (ou a fingir que dançam);
- A música portuguesa é muito inclusiva, muito mais que as dos outros países. Em nenhum outro país se fala tanto de ciganas a ler palmas da mão, de qual é a capital de Cuba, de ainda ontem estar em França e hoje já estar cá, do Cairo ou de Timor. É só ires aos Estados Unidos para os veres eles a discriminarem os «niggas» e os «white trash». Aqui não há nada disso;
- Por último, há artistas que tentam aquilo que é conhecido pela «via do croissant». Fui eu que inventei este termo, está fixe? Mas já lá vamos. «A via do croissant» é o fenómeno em que uma coisa com um nome estrangeiro vale muito mais do que o seu nome em português. Por exemplo, se alguém cantasse algo do género «it's a bomb, it's a bomb, that makes a sound in my heart» toda a gente perguntava se os Backstreet Boys tinham voltado. Mas não, isto é do Emanuel! Claro que pessoas como o David Fonseca preferem o caminho mais fácil e cantam em inglês.
Claro que há outras coisas que influenciam o impacto de um artista no mundo da música. Por exemplo, alguém chamado Justino Castor em Portugal só podia ser um empresário do ramo da hotelaria, um merceeiro ou um professor de Matemática que não sabia explicar bem o teorema de Pitágoras. Mas nos Estados Unidos não. É um rapazinho com um cabelo esquisito, que nem sequer sei como canta porque nunca ouvi nenhuma música dele e que faz um sucesso do carago. Mais sucesso do que se conseguisse ser um professor de Matemática que não soubesse o que era o teorema de Pitágoras. Até eu sei isso! Aliás, essa é uma das 2 coisas que aprendi no 9º ano em Matemática. A segunda coisa é que há um triângulo chamado Escaleno. Que raio de nome.
P.S.: Humberto Escaleno parece-me ser um bom nome. Depois de Vítor Pargo é o meu nome preferido. Se algum dia trabalhar numa mercearia e as pessoas não me conhecerem vou dizer que me chamo assim. Depois de ficar lá algum tempo as pessoas já diziam que iam à mercearia do Escaleno, que eu era bom moço e levava os sacos a casa quando estavam pesados. Alguns com conhecimentos matemáticos iam dizer que eu não era como aqueles moços da minha idade que são uma besta quadrada. Claro que iam passar por nerds, mas desde que fossem à mercearia estava tudo bem para mim.
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