sábado, 31 de agosto de 2013

Fui sair com o Júlio César e a minha noite parecia aquele filme daqueles moços em Las Vegas que não se lembram de nada


Fiz aquilo que o Gary sempre me disse para não fazer: expliquei tudo logo no título. Mas não quero saber, sinto-me rebelde. Ontem também fui sair com o Júlio César e pedi duas cervejas e vim embora sem pagar. Já deve andar a minha fotografia nas esquadras da polícia com uma recompensa para aí de 5€, que eram os 2€ das cervejas e 3€ por danos psicológicos. Não sabia que os danos psicológicos eram tão baratos, mas desde que o meu tio me disse que comprou a dignidade de uma moça por 40€ não me admira nada. Eu também no outro dia comprei 3 Chipicaos por 1€, mas não foi na mercearia do Rebelo, que ele como sabe que eu e o Gary adoramos Chipicaos, vende cada um a 1,50€ só para fazer lucro. O Gary diz que o 1,50€ é pelo Chipicao e pelas aprendizagens por ouvir o Rebelo a falar, mas eu acho que ele só faz isso pelo lucro.



Mas adiante, que o título não é «Como o Rebelo tem lucro na mercearia à custa dos clientes habituais», embora fosse um bom texto. Claro que depois nunca mais lá podia ir e, provavelmente, o Gary deixava de falar comigo para poder continuar a lá ir. Vamos ao título então. Já não estou de férias, nem sei como não escrevi sobre isso. Quer dizer, por acaso até sei. Fiquei tão contente por voltar a ir trabalhar que até me faltaram as palavras. Aqui posso dizer isto, só não podia era dizer nos testes de Português, que a minha professora obrigava-nos sempre a escrever composições de 500 palavras e não podia faltar nem uma, quanto mais no plural. Nunca percebi essa minha professora, a Dona Matilde. Pedia-nos 500 palavras e cortava se fizéssemos menos. Mas se fizéssemos mais, a mostrar trabalho e que sabíamos mais palavras, também nos descontava. Foi a partir daí que soube que nunca teria sorte no amor: se fazia a menos, estava mal; se fazia a mais, também estava mal. E no amor, ao contrário das composições, nunca ninguém nos diz se são 500 ou 600 palavras, nós é que temos de adivinhar.



Nunca fui bom a adivinhas. O meu tio, todos os Natais, dizia-me para eu adivinhar a minha prenda. Nunca acertei. Ele nunca me deu nada, mas eu todos os anos pensava que era nesse ano que ele ia quebrar a tradição. Por isso também nunca adivinharia o que iria acontecer quando fui sair com o Júlio César, ontem. Para mim, ir sair era algo intermédio entre o que faz o Nando Farras que trabalha lá na fábrica e o que faz o Tolentino, que diz que prefere estar sozinho em casa do que comer rissóis de carne. E ele gosta muito de rissóis de carne. Quando o Tolentino fez 18 anos a mãe dele fez-lhe um bolo de rissóis de carne. Eu por acaso não comi, mas os que foram à festa dele, no dia a seguir estavam todos no hospital. O Tolentino disse que foi por causa das misturas com as bebidas, mas eu não acredito nisso, até porque eu já tinha visto o Gary a misturar Trinaranjus com Snappy e nunca foi parar ao hospital por isso. 



A noite com o Júlio César foi espectacular. Fomos só os dois porque o Júlio César diz que, na noite, quanto menos moços juntos, melhor, porque era mais fácil encontrar duas moças para falarmos os dois ou então ele encontrar uma moça enquanto me mandava ir buscar bebidas ou apanhar o táxi para casa. Pensa em tudo o Júlio César. Começamos a beber e a andar de bar em bar e falei com mais moças do que quando andava por aquele site na Internet onde disse «olá» a umas 80 e ninguém me respondeu. Descobri que na noite todas respondem! Mal ou bem, mas respondem. É extremamente difícil manter uma conversa. O meu tio disse-me que na noite devo encher as moças de bebidas e vê-las a beber à minha frente, porque dou dinheiro à casa, deixo a moça bêbada e é mais fácil para a levar para a cama. Mas com 5€ na carteira era difícil fazer isso. As moças são esquisitas. Dizem que gostam de alguém que as ouça e que saiba conversar, mas passados 5 minutos iam todas à casa de banho. Imagino se eu fosse à casa de banho de 5 em 5 minutos, tinha que andar sempre com um rolo de papel higiénico no bolso das calças.



A meio da noite deixei de ter consciência do que fazia. Hoje acordei e senti-me como aqueles moços do filme que estão em Las Vegas a fazer uma despedida de solteiro e acordam com um tigre no quarto. Eu não acordei com um tigre mas acordei com um bilhete da minha mãe a dizer que tinha vomitado na carpete da cozinha e que lhe devia 100€ por ter nascido, porque foi a conta do hospital. Além disso, também devia 40€ da limpeza da carpete, que levou à lavandaria que limpa carpetes numa máquina de lavar de ouro. Depois ainda dizem que há crise. Não me lembrava de nada, liguei ao Júlio César e ele perguntou-me quem é que eu era e como sabia o nome dele. Depois disse que estava a brincar e perguntou-me se eu ainda tinha os dois rins porque ele acordou todo nu numa banheira de gelo. Disse-me que estava a brincar outra vez, que tinha acordado só nu da cintura para cima. Ainda não sei tudo o que se passou na noite passada mas uma coisa é certa, acho que já vomitei tudo e não fiz nada de útil hoje além de estar deitado na cama e a jurar que nunca mais ia beber álcool. Pelo menos até voltar a sair com o Júlio César.






P.S.: Ainda não sei tudo o que aconteceu a partir das 02:30 de ontem. Se alguém me viu, falou comigo ou esteve comigo que me diga por favor. Não é que tenha perdido nada, é só mesmo por curiosidade. É como quando alguém põe um sinal a dizer «Não trespassar» e uma pessoa trespassa só para ver se acontece alguma coisa, se leva um choque, se vem a polícia atrás de nós ou se leva um tiro do proprietário que nos está a ver com uma espingarda. Na fábrica também não é permitido servir duas doses à mesma pessoa e a Xana da cantina faz-me isso. Tinha saudades da Xana da cantina, de me servir uma dose maior que aos outros, de me deixar tirar uma peça de fruta e uma sobremesa e de me dizer que gostava de sentir a minha respiração na nuca dela. Faz-me sempre rir. 

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

A mercearia do futuro


Algum espertinho irá dizer, com entoação de desdém e de desprezo, que as mercearias do futuro são os super-mercados. Nada mais errado. Os super-mercados são como aqueles grandões na escola que gostam da mesma moça que um moço normal e que então, sempre que vêem esse moço com algum poema ou uma caixa de chocolates para dar à moça, vão lá, dão-lhe um tareão e ficam com as prendas para dizer que foram eles que deram. Nunca percebi como é que as moças não descobriam que os grandões não tinham complexidade mental para escrever um poema, quanto mais para comprar uma caixa de chocolates. A verdade é que, à custa disso, ainda hoje não sei escrever poemas e por isso é que a minha professora de Português nunca me deu mais que 12.



Mas o que quis dizer com este raciocínio é que os supermercados não inventaram nada. Apenas juntaram as mercearias, os talhos, as peixarias e as padarias no mesmo espaço e chamaram-lhes «super-mercado», ainda que alguns mercados municipais e feiras sejam muito maiores que alguns «super-mercados» que andam para aí. Odeio super-mercados. E ainda odeio mais quando tenho que lá ir buscar alguma coisa e há sempre 3 ou 4 filas cheias de gente mas, no fim, acabo por escolher sempre a que anda mais devagar e depois não posso mudar a meio porque os que estão atrás já estão mesmo em cima de mim. Ao menos sempre que vou à mercearia do Rebelo posso esperar 2 horas para que ele me registe um Chipicao, mas ao menos nessas duas horas estou ali a ouvir metáforas sexuais e histórias de quando ele era mestre de traineira.



Assim, como voltar a atrair pessoas às mercearias? Inovando-as. As pessoas gostam é de inovação, mesmo que seja para pior. Ao menos é moderno! Por exemplo, não acredito que alguém goste de andar com roupa cor-de-rosa mas é moderno e inovador, então todos andam. Nem quero pensar mais nisto. Vejam lá algumas ideias que eu tenho para as mercearias do futuro:




  • Haver uma secção de drogas. Não como as drogarias tipo a do Sr. Daniel, pai do Ramalho Drogas, que apesar do nome sugestivo só vendem pentes, vassouras e colheres de café. Vendiam mesmo drogas, de todo o tipo. Assim, era escusado andar-se à procura de alguém que nos pudesse enganar ou entregar à polícia. Toda a gente sabia que eram drogas que se vendiam ali mas a polícia nem se incomodava muito em lá ir, só quando o dono da mercearia atrasasse o pagamento dos impostos ou à polícia;

  • Uma boa mercearia teria que ter uma secção dedicada a uma gama variada de serviços. Esses serviços eram profissionais da confiança dos responsáveis da mercearia e as pessoas deixavam na mercearia o seu requerimento, tarefa que precisavam e horário preferido para os receber em casa. Entre esses serviços estavam jardineiros, picheleiros, electricistas e assassinos. Se fosse preciso assassinar alguém, bastava requisitar o assassino, os detalhes eram tratados directamente com ele, para não levantar grandes ondas; 

  • Muitos estarão a perguntar-se porque raio não coloquei prostitutas na secção dos serviços. A resposta é fácil: porque iria haver uma secção exclusivamente dedicada a esses serviços. O supermercado ia ter moças a uma determinada hora para as pessoas verem como elas eram e, quem quisesse, marcava hora para estar com elas (sendo que até podia ser logo ali na mercearia para os menos envergonhados). Assim, evitava-se ter de comprar o jornal, gastar dinheiro do telemóvel e gastar gasolina à procura de algo que estava mesmo ali à mãe de semear, sem enganos e sem fotos sacadas na net;

  • Mercearia que se preze tem um moço que sabe responder a todas as dúvidas que as pessoas tenham no dia-a-dia. Assim, investia-se numa secção de esclarecimento dúvidas, para evitar sobrecarregar o moço da caixa ou o responsável. Este departamento, estava situado num canto da mercearia e as pessoas pagavam 50 ou 60 cêntimos, como se fosse uma chamada telefónica, para verem as suas dúvidas desfeitas. Caso a pessoa não soubesse responder à dúvida colocada, devolvia o dinheiro e era imediatamente despedida e podia ser espancada pela pessoa cuja dúvida não foi desfeita (mas aí, teria de pagar 10€ à mercearia);

  • Diz-se que se deve preservar os mercados tradicionais. Não há mercado mais tradicional que o mercado negro. Assim, a mercearia do futuro teria uma secção exclusivamente relacionada com actividades do mercado negro como venda de bilhetes para eventos desportivos ou concertos, venda de armas e transplante de órgãos. Neste último, os órgão iam diferenciar-se do dos hospitais por serem órgãos de marca branca;

  • Esta secção do mercado negro teria uma sub-secção especificamente confinada ao processo de adopção de crianças. Esta adopção estava aberta a casais hetero e homossexuais, importava era fazer lucro com isso, quer fosse da maneira certa ou da maneira errada. Os que eram pais biológicos e apanhavam crianças na escola dos filhos que tinham sido adoptadas por este serviço iam, com desprezo, dizer coisas do género «pois, eu vi logo que um malcriado desses só podia ser de supermercado». É que nem diziam «de mercearia» para acentuarem o desprezo que sentiam;

  • Em actividades mais lícitas e que não fizesse com que ninguém fosse preso, uma das minhas sugestões mais pessoais era a abertura de fóruns de discussão, abertos a quem quisesse participar. Imagino já, ia eu às compras e via que o fórum desse dia era sobre debater sobre se o Martini é uma bebida de mulher ou se apenas pode ser considerado como tal se levar gelo e for tomado sob outra circunstância sem ser antes de comer. Ficava ali duas horas e quando chegasse a casa já era hora de lanchar;

  • Por último, uma coisa importantíssima para a mercearia do futuro era ter correctores de apostas, que recebessem, registassem e cobrassem as apostas. Este serviço ia ser maravilhoso para quem não se quisesse dar ao trabalho de registar em sites e estar agarrado à Internet. Assim, tinha a pay-shop onde registava o Euromilhões, pagava as Scuts, ouvia aquela moça jeitosa a dizer o número dela para carregar o telemóvel enquanto apontava e, ao lado, apostava nos jogos, com o supermercado a ditar as probabilidades ou aquilo a que eles chamam as «odds». 



Eu ia a uma mercearia destas. Aliás, se tivesse uma esplanada como alguns supermercados já têm (já que os super-mercados copiaram as mercearias, a lei também pode ser usada ao contrário!) e os finos fossem a 1€, passava lá os dias. Já disse ao Rebelo para aceitar apostas na mercearia dele, que da lista de cima só lhe falta praticamente isso. É amigo do Ramalho Drogas, conhece sempre alguém que recomenda para qualquer serviço, sabe quem são as melhores moças porcas, responde às dúvidas todas e quando demora a atender um cliente, os que estão à espera fazem ali um belo fórum. Mas o Rebelo diz que não quer nada com apostas, que teve Estatística no curso profissional que fez e andou lá 3 anos para nunca ter positiva e acabou por desistir do curso. Na altura, isso não lhe fez perder muito dinheiro, mas se com este passado se metesse nas apostas, ia perder o dinheiro todo que lhe tinha custado tanto a ganhar e o outro todo que ganhou facilmente de se enganar nos trocos e das gorjetas das moças estrangeiras.






P.S.: Por falar em mercearias, outra coisa que os ajudava era simplificar os nomes e as coisas. Por exemplo, no outro dia, na mercearia do Rebelo, havia iogurtes de frutos do bosque, de frutos silvestres, de frutos tropicais, de frutos polares, de frutos campestres e de frutos vermelhos. Os frutos polares e os campestres fui eu que inventei, mas à primeira vista até passavam, são iguais aos outros. Uma pessoa sabe que são frutos mas não sabe quais são, tem que ir ao rótulo ver os ingredientes e ter surpresas como no Bongo de Frutos Tropicais que leva Laranja. Sim, laranja é extremamente tropical. Agora kiwis e mangas é que são frutos tradicionais, que crescem em qualquer bosque e no quintal de qualquer um que se chame Silvestre.


segunda-feira, 19 de agosto de 2013

O mundo fechado dos cantores de música popular


Não tentei ser cantor, antes que me perguntem. Dizem que até tenho uma voz parecida com a do Enrique Iglesias quando estou bêbado mas não acredito muito nisso porque, quem me diz isso, também está bêbado e até mais que eu. Quem é parecido com o Enrique Iglesias é o Teófilo, mas só quando desfaz a barba e se põe à sombra, onde parece mais moreno. Não sei porque ainda falo do Teófilo, só me deixa ficar mal. Até me vou arrepender do que vou dizer, mas o Jorge Abel tem razão. Em Agosto pareço as adolescentes em 1600, que ficavam todas excitadas só de pensar que era nesse ano que o D. Sebastião regressava. Ainda que concorde, não concordo totalmente atenção. Só um anormal como o Jorge Abel podia pensar que eu ia dizer que o Teófilo é o meu D. Sebastião. Não imagino coisa mais homossexual. Quer dizer, só mesmo comer um Pirulo numa esplanada. 



Já agora, para os que leram o último texto do Jorge Abel e possam ter ficado com a impressão que ando a comer a Xana da cantina, ando a comer e à força. Não é preciso ser-se muito perspicaz para se perceber isso. Só um atrasado mental que se gaba de ter feito o 18º ano, porque fez o 9º ano por ele e pelo irmão e passou as duas vezes, é que não percebia que esta moça é mesmo fácil. Além disso, cozinha bem, não reclama muito e sabe o que é um fora-de-jogo no futebol. A única coisa que não gosto muito nela é quando me aparece à porta de casa de touca porque se esqueceu de a tirar quando saiu do trabalho. Pior que os meus vizinhos verem uma mulher de touca na minha entrada, era verem quando o Jorge Abel andava com uns calções que tinha comprado na Zara, na parte das mulheres, e não queria acreditar em mim porque dizia que lhe assentavam mesmo bem.



O que não me assenta nada bem são os programas de domingo à tarde. Tornou-se moda ir-se para cidades diferentes de Lisboa, onde passam o ano todo, encher a tarde de músicas populares e chapéus do canal e estão ali a oferecer dinheiro que vai para alguém da produção que finge que é um moço cheio de emoção e dívidas. Ao ver estes programas penso: quão difícil será ser cantor de música popular? E depois descubro que é muito, por ser um mundo muito fechado. Vejam lá porquê:



  • Se o candidato a cantor popular for homem, tem que dar entrada neste mundo acompanhado de duas ou mais bailarinas. Uma é insuficiente e nenhuma é um luxo apenas permitido ao Quim Barreiros pelo seu passado brilhante e futuro inesgotável. E as bailarinas até podem ser feias, mas têm que ser magras, terem mamas que captem a atenção dos homens e pernas que captem a inveja das mulheres. Além de suportar o custo das bailarinas, o candidato tem que pagar os fatos que elas vão utilizar, que terão que passar pela aprovação de um júri composto pelo Zé Malhoa, Emanuel e Toy;

  • Um cantor de música popular que inicie não pode cantar sobre temas diferentes dos habituais porque assim está a roubar mercado aos consagrados. Logo, ao início, para se entrar no mundo da música popular tem que se cantar sobre moças jeitosas, corações partidos ou sobre ir para a festa. Uma coisa boa é que as metáforas sexuais podem ser utilizadas à vontade, apenas com uma condição: se algum dos consagrados nunca tiver pensado nessa metáfora e gostar, pode-se apropriar dela primeiro que o candidato;

  • O mundo da música popular não é sexista. Tanto homens como mulheres são bem aceites. Menos os candidatos. Reza a lenda que as universidades foram buscar a ideia da praxe de um ano ao mundo da música popular, em que os candidatos podem levar com praxe até durante 4 ou 5 anos. Por exemplo, o Santi que mora aqui na rua (que, pelo nome, só podia ser cantor ou modelo) apanhou uma depressão porque a Rosinha o obrigava a ir à mercearia buscar Santal de frutos do bosque e quando o Santi voltava com um Santal de frutos tropicais, porque não havia de frutos do bosque, a Rosinha obrigava-o a ir levar no pacote. E o Santi ia (não sei bem porquê, afinal ela só estava a fazer uma referência à música dela);

  • Para um cantor popular, os nomes a utilizar parecem ser um universo interminável, mas não é bem assim. Qualquer coisa com Emanuel, José, Quim ou Leonel são desde logo negados a qualquer um. Portanto, uma pessoa ou tem de inventar ou então usar o segundo nome. E mesmo assim não pode ser qualquer um, que os consagrados não deixam que apareça um novato qualquer com um nome mais entusiasmante. Por exemplo, se aparecesse algum cantor chamado «Bruno», ninguém passava cartão (e é isso que os consagrados querem!) mas se aparecesse um novo chamado «Dionísio» ou «Carlos Louco» toda a gente ia ver o que era. Os consagrados aprenderam bem a lição com o Zé Cabra;

  • Se conseguires passar na praxe, não significa que a tua carreira tenha começado. Diz-se que um cantor popular tem a vida garantida porque nas festas populares e nas Queimas das Fitas é só escolher. Mas não é bem assim. Há 896 festas populares por ano em Portugal (não fui pesquisar mas pareceu-me um número credível e que fizesse parecer que eu pesquisei e gerasse admiração em quem lê) mas dessas, só umas 10 ou 15 são mesmo conhecidas. E nas mais conhecidas não vão novatos, vão consagrados. E os novatos que vão, é para abrir os espectáculos dos consagrados e são indicados por estes. Ninguém fica conhecido por ir cantar à Festa de São Mário das Farturas em Marrotas. E esse é o destino dos novatos;

  • Como não há curso superior para se ser cantor popular e os músicos que saem do conservatório com formação musical são altamente discriminados e enxovalhados pelos músicos populares, ninguém parte em vantagem pelo seu passado. Só os que são sobrinhos, primos, ex-amantes ou credores dos músicos mais consagrados. E mesmo esses, (tirando os credores, que a esses até lhes oferecem as principais festas para as dívidas ficarem pagas) têm que provar o seu valor, não é só chegar e passar a ser consagrado. Por exemplo, um primo do Toy fez uma música chamada «Portugal» que o Toy adaptou para «Sensual» e fez furor à custa do primo que, por causa disso, emigrou para a Gronelândia e nunca ninguém ouviu falar dele;

  • Escrever letras para músicas populares é um fenómeno extremamente complexo e difícil. Não admira que se contratem pessoas de fora para se fazer isso. Tentem escrever uma letra para uma música qualquer e percebem do que estou a falar. Palavras com mais de três sílabas corta-se; palavras que uma amostra de pessoas que só tem a 4ª classe não percebam, também se cortam; letras sem interjeições como «oh!», «ah!», «yeah!» ou «ui!» não passam; e letras sem pelo menos uma metáfora sexual mas que seja bastante explícita para toda a gente perceber do que se fala, também não passam. A liberdade criativa é restringida ao mínimo e só alguns dos consagrados têm esse poder de inovar;

  • Por último, mas não a menos importante, o mundo dos cantores populares é altamente discriminatório e possessivo. Nunca nenhum músico entrou no mundo da música popular por ter começado no jazz, no hip-hop ou noutro estilo qualquer. Simplesmente era banido logo à entrada. Do mesmo modo, se algum músico popular algum dia fizer uma música ou tiver uma simples participação numa música de outro estilo que não o popular é afastado do mundo, deixa de poder olhar os consagrados nos olhos e nem sequer pode almoçar na mesa dos candidatos. A ideia é que a mínima traição à música popular, é um ponto de não-retorno. 




Vêem então como o mundo dos cantores de música popular é muito fechado, discriminatório e com critérios de selecção mais apertados que as camisolas que uma tia minha me continua a mandar pelo Natal. Desde 1996 que me manda camisolas do mesmo tamanho e apesar de eu não ter crescido muito, cresci o suficiente para ficar apertado nas camisolas com o mesmo tamanho de 1996. Apesar disso, fico sempre com elas, que é para não ter o trabalho de ir à loja, explicar que uma tia minha foi lá mas que eu queria trocar e ter de suportar o olhar de reprovação da empregada da loja, a pensar «mas quem é que este pensa que é? A tia com tanto carinho a comprar-lhe uma camisola e ele vem aqui, nem uma semana depois, trocar a camisola sem a tia saber. Grande sacana. Mas ao menos é giro, será que é 91?». Esta última parte, fruto ou não da minha imaginação, nunca acontece. Talvez seja por eu nunca ter ido trocar nenhuma das camisolas, mas a minha principal explicação é porque ainda está tolhida pela raiva da primeira parte do pensamento. 







P.S.: Este texto insere-se também numa procura recente que o blog tem sido alvo. Uns procuram pela doença do Tony Carreira (que eu disse que era esquizofrenia por causa das letras), outros vêm aqui à procura de saber se a Rosinha é um homem (que eu saiba não, mas só ando a dormir com a Xana da cantina, com a Rosinha nunca dormi. Porque raio lhe continuo a chamar Xana da cantina e não apenas Xana ou Alexandra? Para o Jorge Abel é que é a Xana da cantina, tanto quanto sei, para mim até podia ser a Xana da cama, ou a Xana do carro ou a Xana de qualquer sítio em que lhe apeteça. Bem é melhor ficar só Xana). Não tenho as respostas para essas perguntas, mas tenho mais um texto sobre música popular portuguesa. Já não podem dizer que não consumo o que é nosso!



segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Um trabalhador de férias é como um desempregado a fazer bricolage, disse-me o meu tio


Felizmente não sei fazer bricolage mas infelizmente sou um trabalhador de férias. Podia dizer que nunca me senti tão mal na minha vida, mas ia mentir. Uma vez, numa festa de anos do Vítor Piranha, da Churrasqueira, estava cheio de sede, vi uma garrafa de Ice Tea e enchi o meu copo. Era de manga, nunca tinha experimentado, mas já tinha bebido «Um Bongo» de todos os sabores e todos os Capri-Sons, não ia ser um Ice Tea de manga que me ia fazer mal. Mal fazia-me se fosse um Compal de pêra, que aquilo é tudo espesso, parece sopa de sumo. Mas enganei-me. Fez-me um mal incrível, fiquei todo agoniado e não parei de vomitar o resto da noite. No dia seguinte, mal me conseguia levantar da cama e só consegui comer um pão o dia todo. O Gary disse-me que o Vítor Piranha guardava o whisky nas garrafas de Ice Tea para os convidados dele não o beberem mas nunca mais bebi Ice Tea de manga, não vá haver mais gente a pensar como o Vítor Piranha.



Nesses dias senti-me mesmo mal, pior que agora até. Mas não significa que agora esteja bem. Contrariamente ao que esperava, as férias até têm algumas coisas boas. Uma delas é que tenho passado mais tempo com o Júlio César, o meu amigo lá da fábrica, que também teve as férias dele agora. Ao início quase não o via que ele passava o tempo todo com uma moça, mas agora que ele fez porcaria e ela nunca mais o quer voltar a ver, temos feito muita coisa juntos. Tenho aprendido muito com o Júlio César. Descobri que ele adorava ser inglês porque podia chamar «boi» aos moços sem ser recriminado pela sociedade. O meu tio disse-me uma vez que uma vez uns ingleses lhe pediram para tirar uma fotografia e ele roubou-lhes a máquina. Passados 20 minutos, encontrou outro grupo de ingleses na rua a quem lhes tinham roubado a máquina e vendeu-lhes a que roubou por 50 euros. O meu tio diz que se arrepende muito, que se soubesse o que sabe hoje, tinha-lhes vendido por 80 ou 90 euros.



Além do Júlio César, também tenho estado muito tempo com o Catarino, que é primo do Júlio César. Mas é daqueles primos que mais parece irmão ou amigo, não é dos outros primos que só aparecem no Natal ou que encontras na rua ocasionalmente e falas do tempo, perguntas se está tudo bem lá por casa, mandas beijos e cumprimentos para todos e segues a tua vida. O Catarino é um moço porreiro mas diz que na escola toda a gente o goza por causa do nome, dizem que copiou e roubou o nome a uma moça. Eu neste aspecto estou com o Catarino. Quem é que pode afirmar com toda a certeza que o nome Catarino é copiado de Catarina e não o contrário? E porque é que também não gozam os Mários de copiarem o nome Maria, ou os Júlios de copiarem o nome Júlia ou os que se chamam Daniel de copiarem o nome Daniela? Já agora, gozem também os Pedros, de terem copiado o nome às pedras. Ao menos o Catarino, se copiou, foi a uma moça, não a uma pedra.



Também tenho falado com a Xana da cantina e até estive com ela. Fui ter com ela à fábrica, quando ela saiu, à hora do lanche. Sei como para as moças a hora do lanche é uma hora sensível e importante do dia. Aprendi isso com o meu tio, que me disse que se a hora do lanche não fosse tão sentimental para as moças os programas da tarde não eram todos com a Fátima Lopes ou com a Júlia Pinheiro a contarem histórias tristes e de fazer chorar. A Xana falou de como vai o trabalho na fábrica, da maneira que gosta mais de passar a esponja no banho e, surpreendentemente, do Gary. Disse que ele era agressivo e fazia tudo à bruta. Eu também lhe disse que o que menos gostava no Gary era quando ele se punha a chamar-me nomes, mas a Xana da cantina disse que disso ela gostava e até a excitava. A Xana tem mesmo piada, perguntei-lhe se não queria escrever no blog mas ela disse que só sabia escrever poemas e ninguém acha piada a poemas. Só achavam piada ao Fernando Pessoa porque ele era um drogado que inventava moços diferentes, mas que eram ele. Disse que escrever poesia apimenta a vida dela. Mal a Xana da cantina falou em pimenta lembrei-me das almôndegas que ela fazia para o almoço, que eram bem apimentadas. Disse-lhe que tinha saudade das almôndegas dela e ela disse-me que estava ansiosa por experimentar as minhas. Decididamente, vou ter de aprender a cozinhar. 



O meu tio disse que cozinhar era como fazer amor com uma mulher mas sem se ter uma hérnia discal: podia sair mal mas o que conta é a intenção. Se não for para o lixo, alguém há-de comer. Se for para o lixo, fica para o Amílcar, o mendigo aqui da rua que anda sempre a mexer nos caixotes do lixo. À custa disso, tem sempre as Dicas da Semana actualizadas e encontrou um casaco meu que a minha mãe deitou fora porque não se lembrava que eu vivia lá em casa. O casaco até ficava bem ao Amílcar, mas a mim ficava-me melhor. Por isso, tive de lhe dar 25€ e um abraço pelo casaco. O Amílcar precisa de dinheiro para comer mas também precisa de carinho e conforto emocional. Por mim dava-lhe 1€ e 25 abraços mas o Amílcar cheira um bocado mal e fiquei cheio de comichão depois de o abraçar, por isso foi melhor dar-lhe os 25€. O meu irmão quando soube que o Amílcar tinha 25€ foi procurá-lo à rua e roubou-o. Eu achei isso uma atitude horrível, mas o meu tio disse que um moço chamado Darwin tinha escrito sobre isso há 200 anos atrás, onde dizia que para sobreviver era a lei do mais forte. Pelo menos não lhe conseguiu roubar o abraço que lhe dei.






P.S.: O Teófilo vai mesmo regressar ou o Verão é aquela altura do ano em que o Gary se arma em português do século XVI e espera sempre pelo regresso do D. Sebastião, que desapareceu para sempre numa churrasqueira em África, onde se especializou a assar cordeiros. O Teófilo, que eu saiba, também não é grande coisa na cozinha, mas já me disseram que é muito bom em sítios onde não aparece tipo aqui no blog. O Teófilo é especialista em marketing, quanto menos aparece e menos escreve aqui, mais a expectativa é maior e mesmo que escreva qualquer porcaria vai sempre ser valorizado pelo Gary. Vou ter que pedir o número do Teófilo ao Tolentino para me dar umas explicações sobre isso. Não posso pedir ao Gary senão ele desconfia. Posso dizer isto aqui que ele já não lê os meus textos, nem se dá ao trabalho. 


quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Porque é que as monarquias falharam


Se há coisa que detesto nas férias de Verão é o facto das crianças não estarem enfiadas numa sala de aula e então andarem espalhadas pelas ruas, pelas praias e pelos demais espaços públicos. Não que eu não goste de crianças, apesar de saber que há pessoas que gostam de crianças muito mais que eu e de maneiras que até as levaram à cadeia por gostarem demasiado de crianças. Mas a maior parte delas irrita-me. Principalmente aqueles putos que descobriram que existem outras palavras além daquelas que vêm na Cartilha e então quando estão com os amigos esforçam-se ao máximo por dizer em todas as frases palavras que não dizem quando estão com os pais, tios ou avós para não comerem com um estalo. Eu se tivesse um filho, a primeira coisa que lhe ensinava eram todos os palavrões que sei. Toda a gente sabe que os putos não fazem nada do que os pais dizem e é por isso que atravessam fora da passadeira, não comem vegetais e gostam de textos do Jorge Abel.



Por isso é que adoro andar na rua em Setembro. Os emigrantes já voltaram todos para os países deles, os putos estão todos enfiados numa sala de aula e o Jorge Abel já não está de férias. Eu antes dizia que ele estava a precisar de uma moça para ficar mais tolerável. Mas desde que tenho visto a forma como ele não entende os sinais que a Xana da cantina lhe dá começo seriamente a duvidar se ele tem sexualidade sequer. No outro dia estava a ver National Geographic e descobri que há animais que são assexuados, ou seja, nem têm atracção por mulheres (como é natural), nem por homens (como é natural, mas para as mulheres). Reproduzem-se sozinhos e assim a espécie evolui. Sei que o Jorge Abel não é homossexual porque senão já tinha ido ao cinema com o Ramiro. Reza a história que o Tolentino ganhou a fobia ao cinema quando descobriu que se tinha sentado num banco onde o Ramiro tinha tido relações sexuais com um moço que conheceu na Internet. 



Mas adiante que este texto não é sobre isso. É sim sobre o porquê das monarquias terem falhado. Sim, sei que ainda há monarquias mas pensem bem, os reis hoje em dia mandam alguma coisa? Não. É só para o aparato. Posso já dizer, para aqueles que não têm paciência para ler tudo, que um dos factores que levou à decadência das monarquias é ver aqueles putos de que falei ao início a dizerem a outro coisas do tipo «és o rei, mano» por todo e qualquer motivo. Mas há mais. Vejam lá alguns:




  • Os reis davam demasiada importância e ouvidos ao clero. Basta comparar com hoje em dia que ninguém passa cartão à religião nem aos religiosos e ainda por cima são um alvo fácil para piadas sexuais. Antes enchia-se o clero de terras e escravos para contar com o apoio e as opiniões dos seus membros, hoje só lhes oferecem imunidade nos impostos para que não chateiem muito e mesmo isso está para acabar;

  • Hoje em dia fala-se mais no Rei do Gado ou no Rei do Kuduro que no Rei da Somália, o que mostra bem como a credibilidade das monarquias anda pelas ruas da amargura. Não por se falar no Rei do Gado que até era uma boa novela, mas por causa do Rei do Kuduro;

  • As pessoas só querem saber dos reis ainda existentes quando eles têm filhos ou quando se casam com alguém do povo, já nem sequer tomam decisões. Se bem que um dos motivos da monarquia ter falhado foi precisamente por se deixar os reis tomar decisões. Bem vimos por cá um rei a ir para a frente de batalha e morrer e outro a ir atirar moedas de ouro a Roma num elefante;

  • Os líderes de hoje em dia vestem-se bem, fatos da moda, gravatas a condizer e têm um guarda-roupa invejável. Os reis não, andavam sempre de mantos, ainda por cima sempre os mesmos, com 100 e 200 anos, mesmo fora de moda. Pior que isso, iam sempre de sandálias. Assim, claro que não impunham respeito a ninguém;

  • Os reis tornavam-se sempre menos populares e consensuais quando aumentavam os impostos mas as monarquias falharam totalmente quando se acabaram com os autos-de-fé. Sem televisão, sem rádio, sem futebol, sem imprensa e sem autos-de-fé, imagino quão aborrecidos eram os domingos naquela altura;

  • A partir do momento em que as palavras «príncipe» e «princesa» foram homossexualizadas para representar termos feminino-carinhosos que as monarquias começaram a cair a pique e já ninguém via nesse regime político a forma mais sustentável de gerir um país;

  • Quando o povo passou a jogar à sueca e descobriu que os ases e os setes ganhavam aos reis, começaram a perder-lhes o respeito e a fazer tentativas de golpes de estado. A sorte dos espanhóis é que não sabem jogar à sueca, que uma vez estava com 3 espanholas e como nenhuma delas sabia jogar à sueca tivemos que jogar ao peixinho;

  • Os reis eram péssimos gestores financeiros. Tudo bem que se dessem festas na corte, mas que se cobrasse uma entrada mínima. Os nobres e os do clero estavam cheios de dinheiro, podiam pagar 5 moedas de ouro à entrada. Mas não. Nunca ninguém pagava e era sempre bar aberto e comida a monte para todos, o rei que pagasse. Depois de 300 anos de festas assim é normal que o país estivesse na bancarrota e não pudesse continuar a suportar estes luxos.



Mesmo assim, tenho que dar mérito à monarquia. Em Portugal houve um rei conhecido como «O Gordo». Desde então, Portugal teve mais uns 25 reis depois desse, o que significa que mesmo tendo sido governado por alguém conhecido apenas pela sua gordura, a monarquia prevaleceu. Esse rei deve ter sido mesmo muito fraquinho, nem devia sair da corte para estar a comer frango assado e rissóis de carne. Os outros eram conhecidos por nomes como «Conquistador», «Povoador», «Bravo» ou «Vitorioso» e este era só «O gordo». Não deve ter mesmo feito nadinha enquanto foi rei. Parece quando as pessoas falam das pessoas aqui do blog, há o gaivota, o tolinho com pancas, o desaparecido e o outro. «Qual outro?» perguntam os mais desatentos. Aquele que vem aqui, escreve testamentos sem ninguém lhe pedir nada e que pensa que plâncton é uma montanha esquisita que não é bem uma planície mas também não é um planalto. 







P.S.: Ouvi dizer que o Teófilo vai regressar em breve aos textos. Sei que já disse isto antes mas agora pareceu-me que foi mesmo a sério. Por isso é que disse ouvi dizer em vez de dizer que ouvi, porque quando estava a falar com o Teófilo estava a mandar mensagens à Xana da cantina e posso não ter ouvido bem. Sim, mensagens à Xana da cantina. Já reparei que aquilo é fácil demais e como o Jorge Abel disse que eles se estavam a tornar grandes amigos (vocês são minhas testemunhas) significa que posso avançar. Não quero ser amigo dela para nada, amigas só se forem lésbicas como já vos expliquei noutro texto que escrevi aqui: http://comidosdocerebro.blogspot.pt/2012/11/a-minha-amiga-lesbica.html. Sim, estou a fazer publicidade a mim próprio, é proibido? 


segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Como têm sido os meus primeiros dias neste pesadelo que é ter férias


O Venâncio, que é segurança lá na fábrica de tintas, tem uma família daquelas mesmo grandes. Encontrei-os no outro dia quando andava a vaguear pela rua, a passar o tempo das minhas aborrecidas e longas férias. Eram para aí umas 30 pessoas a almoçar num restaurante. Falei um bocado com o Venâncio e ele disse-me que a família ainda podia ser maior porque tem 3 ex-primos, 2 ex-tios e um futuro sobrinho que ainda não assinou contrato. Não sabia que isso era possível mas o Venâncio disse-me que faz isso desde que descobriu que podia afastar-se das pessoas desde que acabou com a namorada dele no secundário. Mal fez isso e passou a ter uma ex-namorada, também acabou com dois primos que passaram a ser ex-primos. Depois, com o tempo tornou-se um hábito de família. 


Perguntam-se vocês o que ando a fazer nas férias. Para começar, comprei muitas revistas para ler, que agora tenho tempo para aprender coisas novas. O que aprendi foi que não consigo ler em mais nenhuma posição sem ser na casa de banho. Tenho passado muito tempo na casa de banho a ler mas só consigo uns 15 ou 20 minutos de cada vez que depois começam-me a doer as costas e tenho que ir fazer outra coisa. Por isso é que nestes dias todos só ainda consegui ler três artigos de uma das revistas. O meu tio disse-me que as pessoas que demoram muito tempo na casa de banho ou estão a ler um livro de banda desenhada ou se estão a masturbar. Já por isso, sempre que vou à casa de banho faço de propósito para que me vejam a levar uma revista. Mesmo quando vou lá para me masturbar, que ninguém precisa de saber quando é e assim ninguém me interrompe. 



O Júlio César também está de férias mas está sempre com moças e tem pouco tempo para mim. No outro dia fomos jogar bilhar. Quando disse em casa que ia chegar tarde porque ia jogar bilhar o meu pai disse para trazer um taco para casa sem ninguém ver que ele precisava de acertar contas com o Justiniano das rifas. O meu irmão pediu-me para roubar giz e lhe trazer um apagador. Disse-lhe que não havia apagadores nos bilhares mas ele insistiu e disse que a Directora de Turma é que guardava sempre o apagador na mala antes de sair da sala para ninguém roubar. Acho que ele estava sob o efeito de drogas, mas pelo sim pelo não antes de ir jogar bilhar passei pela drogaria do pai do Ramalho Drogas e comprei um apagador para levar ao meu irmão. Não sei que drogas é que ele anda a tomar mas ainda no outro dia acordou-me a meio da noite a ameaçar-me que a próxima vez que adormecesse durante o meu turno de vigia era enviado para a linha da frente. 



Passar férias é passar mais tempo em casa, mesmo que eu não queira e me esforce por sair, nem que seja sozinho. Por um lado é bom porque aprendo coisas incríveis com o meu tio. Já lhe disse que ele devia escrever um livro sobre lições de vida mas ele rejeita sempre, diz que o que o preocupa neste momento é os aumentos no preço da cocaína e como seria a sua vida se tivesse uma hérnia discal. A minha mãe no outro dia perguntou-me quem eu era e porque é que a tratava por mãe e comia a comida do frigorífico dela. Estava a ficar um bocado confuso e preocupado até o meu pai me explicar que aquilo era uma fantasia sexual deles para apimentar a relação em que fingiam que não tinham filhos. Perguntei se era por isso que me estavam sempre a mandar ir à mercearia do Rebelo comprar pão ralado, mas o meu pai disse-me que não, que isso era para eu aprender alguma coisa com o Rebelo da mercearia, em vez de dar ouvidos a uma gaivota, a um tolinho cheio de pancas e a um desaparecido.



A Xana da cantina manda-me mensagens todos os dias a dizer como está a fábrica para eu não sentir saudades e para não parecer que estou de férias. Também me diz o que é o almoço todos os dias, como está vestida e quais as posições sexuais que ela mais gosta. Com tanta partilha acho que nos estamos a transformar em grandes amigos. Depois do Júlio César e do meu patrão é a pessoa que mais gosto ali na fábrica. Mas como o meu patrão me deu férias, neste momento sou capaz de gostar um bocado mais da Xana da cantina. Depois acho-lhe piada. No outro dia mandou-me uma fotografia para o telemóvel mesmo esquisita, nem percebi o que era aquilo. Ela disse-me que, se eu quisesse, aquela era a minha ceia, podia passar em casa dela para ir lá comer. Disse-lhe que nesse dia não dava porque ia com o Júlio César jogar uma bilharada e ela respondeu-me a dizer «Lol». Está-se sempre a rir, é uma das coisas que gosto na Xana da cantina. Tive pena que não pudesse guardar a minha ceia no frigorífico para eu comer noutro dia. Espero que ela tenha comido para não se estragar, não gosto nada de deitar comida fora. 








P.S.: Se há pessoa que tenho pena é do Sr. Daniel da drogaria. Construiu um negócio de família honesto e até com algum sucesso e o filho, por querer expandir o negócio, alargou a drogaria às drogas todas. O Sr. Daniel sofre todos os dias quando lhe aparecem lá amigos do Ramalho a pedir-lhe colheres de café e cordas e ele sabe perfeitamente para que é aquilo. Apesar dos lucros da drogaria por causa do negócio paralelo do filho, o Sr. Daniel é alguém fiel aos seus princípios. É tão fiel aos princípios que me disse que nunca viu um fim de um filme nem de um jogo de futebol, chega a meio e vê outra coisa. Segundo ele, o que interessa é como começa e não como acaba. Muito diferente do meu tio que diz que os fins justificam todos os meios e nunca fala nos princípios.