segunda-feira, 19 de agosto de 2013

O mundo fechado dos cantores de música popular


Não tentei ser cantor, antes que me perguntem. Dizem que até tenho uma voz parecida com a do Enrique Iglesias quando estou bêbado mas não acredito muito nisso porque, quem me diz isso, também está bêbado e até mais que eu. Quem é parecido com o Enrique Iglesias é o Teófilo, mas só quando desfaz a barba e se põe à sombra, onde parece mais moreno. Não sei porque ainda falo do Teófilo, só me deixa ficar mal. Até me vou arrepender do que vou dizer, mas o Jorge Abel tem razão. Em Agosto pareço as adolescentes em 1600, que ficavam todas excitadas só de pensar que era nesse ano que o D. Sebastião regressava. Ainda que concorde, não concordo totalmente atenção. Só um anormal como o Jorge Abel podia pensar que eu ia dizer que o Teófilo é o meu D. Sebastião. Não imagino coisa mais homossexual. Quer dizer, só mesmo comer um Pirulo numa esplanada. 



Já agora, para os que leram o último texto do Jorge Abel e possam ter ficado com a impressão que ando a comer a Xana da cantina, ando a comer e à força. Não é preciso ser-se muito perspicaz para se perceber isso. Só um atrasado mental que se gaba de ter feito o 18º ano, porque fez o 9º ano por ele e pelo irmão e passou as duas vezes, é que não percebia que esta moça é mesmo fácil. Além disso, cozinha bem, não reclama muito e sabe o que é um fora-de-jogo no futebol. A única coisa que não gosto muito nela é quando me aparece à porta de casa de touca porque se esqueceu de a tirar quando saiu do trabalho. Pior que os meus vizinhos verem uma mulher de touca na minha entrada, era verem quando o Jorge Abel andava com uns calções que tinha comprado na Zara, na parte das mulheres, e não queria acreditar em mim porque dizia que lhe assentavam mesmo bem.



O que não me assenta nada bem são os programas de domingo à tarde. Tornou-se moda ir-se para cidades diferentes de Lisboa, onde passam o ano todo, encher a tarde de músicas populares e chapéus do canal e estão ali a oferecer dinheiro que vai para alguém da produção que finge que é um moço cheio de emoção e dívidas. Ao ver estes programas penso: quão difícil será ser cantor de música popular? E depois descubro que é muito, por ser um mundo muito fechado. Vejam lá porquê:



  • Se o candidato a cantor popular for homem, tem que dar entrada neste mundo acompanhado de duas ou mais bailarinas. Uma é insuficiente e nenhuma é um luxo apenas permitido ao Quim Barreiros pelo seu passado brilhante e futuro inesgotável. E as bailarinas até podem ser feias, mas têm que ser magras, terem mamas que captem a atenção dos homens e pernas que captem a inveja das mulheres. Além de suportar o custo das bailarinas, o candidato tem que pagar os fatos que elas vão utilizar, que terão que passar pela aprovação de um júri composto pelo Zé Malhoa, Emanuel e Toy;

  • Um cantor de música popular que inicie não pode cantar sobre temas diferentes dos habituais porque assim está a roubar mercado aos consagrados. Logo, ao início, para se entrar no mundo da música popular tem que se cantar sobre moças jeitosas, corações partidos ou sobre ir para a festa. Uma coisa boa é que as metáforas sexuais podem ser utilizadas à vontade, apenas com uma condição: se algum dos consagrados nunca tiver pensado nessa metáfora e gostar, pode-se apropriar dela primeiro que o candidato;

  • O mundo da música popular não é sexista. Tanto homens como mulheres são bem aceites. Menos os candidatos. Reza a lenda que as universidades foram buscar a ideia da praxe de um ano ao mundo da música popular, em que os candidatos podem levar com praxe até durante 4 ou 5 anos. Por exemplo, o Santi que mora aqui na rua (que, pelo nome, só podia ser cantor ou modelo) apanhou uma depressão porque a Rosinha o obrigava a ir à mercearia buscar Santal de frutos do bosque e quando o Santi voltava com um Santal de frutos tropicais, porque não havia de frutos do bosque, a Rosinha obrigava-o a ir levar no pacote. E o Santi ia (não sei bem porquê, afinal ela só estava a fazer uma referência à música dela);

  • Para um cantor popular, os nomes a utilizar parecem ser um universo interminável, mas não é bem assim. Qualquer coisa com Emanuel, José, Quim ou Leonel são desde logo negados a qualquer um. Portanto, uma pessoa ou tem de inventar ou então usar o segundo nome. E mesmo assim não pode ser qualquer um, que os consagrados não deixam que apareça um novato qualquer com um nome mais entusiasmante. Por exemplo, se aparecesse algum cantor chamado «Bruno», ninguém passava cartão (e é isso que os consagrados querem!) mas se aparecesse um novo chamado «Dionísio» ou «Carlos Louco» toda a gente ia ver o que era. Os consagrados aprenderam bem a lição com o Zé Cabra;

  • Se conseguires passar na praxe, não significa que a tua carreira tenha começado. Diz-se que um cantor popular tem a vida garantida porque nas festas populares e nas Queimas das Fitas é só escolher. Mas não é bem assim. Há 896 festas populares por ano em Portugal (não fui pesquisar mas pareceu-me um número credível e que fizesse parecer que eu pesquisei e gerasse admiração em quem lê) mas dessas, só umas 10 ou 15 são mesmo conhecidas. E nas mais conhecidas não vão novatos, vão consagrados. E os novatos que vão, é para abrir os espectáculos dos consagrados e são indicados por estes. Ninguém fica conhecido por ir cantar à Festa de São Mário das Farturas em Marrotas. E esse é o destino dos novatos;

  • Como não há curso superior para se ser cantor popular e os músicos que saem do conservatório com formação musical são altamente discriminados e enxovalhados pelos músicos populares, ninguém parte em vantagem pelo seu passado. Só os que são sobrinhos, primos, ex-amantes ou credores dos músicos mais consagrados. E mesmo esses, (tirando os credores, que a esses até lhes oferecem as principais festas para as dívidas ficarem pagas) têm que provar o seu valor, não é só chegar e passar a ser consagrado. Por exemplo, um primo do Toy fez uma música chamada «Portugal» que o Toy adaptou para «Sensual» e fez furor à custa do primo que, por causa disso, emigrou para a Gronelândia e nunca ninguém ouviu falar dele;

  • Escrever letras para músicas populares é um fenómeno extremamente complexo e difícil. Não admira que se contratem pessoas de fora para se fazer isso. Tentem escrever uma letra para uma música qualquer e percebem do que estou a falar. Palavras com mais de três sílabas corta-se; palavras que uma amostra de pessoas que só tem a 4ª classe não percebam, também se cortam; letras sem interjeições como «oh!», «ah!», «yeah!» ou «ui!» não passam; e letras sem pelo menos uma metáfora sexual mas que seja bastante explícita para toda a gente perceber do que se fala, também não passam. A liberdade criativa é restringida ao mínimo e só alguns dos consagrados têm esse poder de inovar;

  • Por último, mas não a menos importante, o mundo dos cantores populares é altamente discriminatório e possessivo. Nunca nenhum músico entrou no mundo da música popular por ter começado no jazz, no hip-hop ou noutro estilo qualquer. Simplesmente era banido logo à entrada. Do mesmo modo, se algum músico popular algum dia fizer uma música ou tiver uma simples participação numa música de outro estilo que não o popular é afastado do mundo, deixa de poder olhar os consagrados nos olhos e nem sequer pode almoçar na mesa dos candidatos. A ideia é que a mínima traição à música popular, é um ponto de não-retorno. 




Vêem então como o mundo dos cantores de música popular é muito fechado, discriminatório e com critérios de selecção mais apertados que as camisolas que uma tia minha me continua a mandar pelo Natal. Desde 1996 que me manda camisolas do mesmo tamanho e apesar de eu não ter crescido muito, cresci o suficiente para ficar apertado nas camisolas com o mesmo tamanho de 1996. Apesar disso, fico sempre com elas, que é para não ter o trabalho de ir à loja, explicar que uma tia minha foi lá mas que eu queria trocar e ter de suportar o olhar de reprovação da empregada da loja, a pensar «mas quem é que este pensa que é? A tia com tanto carinho a comprar-lhe uma camisola e ele vem aqui, nem uma semana depois, trocar a camisola sem a tia saber. Grande sacana. Mas ao menos é giro, será que é 91?». Esta última parte, fruto ou não da minha imaginação, nunca acontece. Talvez seja por eu nunca ter ido trocar nenhuma das camisolas, mas a minha principal explicação é porque ainda está tolhida pela raiva da primeira parte do pensamento. 







P.S.: Este texto insere-se também numa procura recente que o blog tem sido alvo. Uns procuram pela doença do Tony Carreira (que eu disse que era esquizofrenia por causa das letras), outros vêm aqui à procura de saber se a Rosinha é um homem (que eu saiba não, mas só ando a dormir com a Xana da cantina, com a Rosinha nunca dormi. Porque raio lhe continuo a chamar Xana da cantina e não apenas Xana ou Alexandra? Para o Jorge Abel é que é a Xana da cantina, tanto quanto sei, para mim até podia ser a Xana da cama, ou a Xana do carro ou a Xana de qualquer sítio em que lhe apeteça. Bem é melhor ficar só Xana). Não tenho as respostas para essas perguntas, mas tenho mais um texto sobre música popular portuguesa. Já não podem dizer que não consumo o que é nosso!



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