segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Como têm sido os meus primeiros dias neste pesadelo que é ter férias


O Venâncio, que é segurança lá na fábrica de tintas, tem uma família daquelas mesmo grandes. Encontrei-os no outro dia quando andava a vaguear pela rua, a passar o tempo das minhas aborrecidas e longas férias. Eram para aí umas 30 pessoas a almoçar num restaurante. Falei um bocado com o Venâncio e ele disse-me que a família ainda podia ser maior porque tem 3 ex-primos, 2 ex-tios e um futuro sobrinho que ainda não assinou contrato. Não sabia que isso era possível mas o Venâncio disse-me que faz isso desde que descobriu que podia afastar-se das pessoas desde que acabou com a namorada dele no secundário. Mal fez isso e passou a ter uma ex-namorada, também acabou com dois primos que passaram a ser ex-primos. Depois, com o tempo tornou-se um hábito de família. 


Perguntam-se vocês o que ando a fazer nas férias. Para começar, comprei muitas revistas para ler, que agora tenho tempo para aprender coisas novas. O que aprendi foi que não consigo ler em mais nenhuma posição sem ser na casa de banho. Tenho passado muito tempo na casa de banho a ler mas só consigo uns 15 ou 20 minutos de cada vez que depois começam-me a doer as costas e tenho que ir fazer outra coisa. Por isso é que nestes dias todos só ainda consegui ler três artigos de uma das revistas. O meu tio disse-me que as pessoas que demoram muito tempo na casa de banho ou estão a ler um livro de banda desenhada ou se estão a masturbar. Já por isso, sempre que vou à casa de banho faço de propósito para que me vejam a levar uma revista. Mesmo quando vou lá para me masturbar, que ninguém precisa de saber quando é e assim ninguém me interrompe. 



O Júlio César também está de férias mas está sempre com moças e tem pouco tempo para mim. No outro dia fomos jogar bilhar. Quando disse em casa que ia chegar tarde porque ia jogar bilhar o meu pai disse para trazer um taco para casa sem ninguém ver que ele precisava de acertar contas com o Justiniano das rifas. O meu irmão pediu-me para roubar giz e lhe trazer um apagador. Disse-lhe que não havia apagadores nos bilhares mas ele insistiu e disse que a Directora de Turma é que guardava sempre o apagador na mala antes de sair da sala para ninguém roubar. Acho que ele estava sob o efeito de drogas, mas pelo sim pelo não antes de ir jogar bilhar passei pela drogaria do pai do Ramalho Drogas e comprei um apagador para levar ao meu irmão. Não sei que drogas é que ele anda a tomar mas ainda no outro dia acordou-me a meio da noite a ameaçar-me que a próxima vez que adormecesse durante o meu turno de vigia era enviado para a linha da frente. 



Passar férias é passar mais tempo em casa, mesmo que eu não queira e me esforce por sair, nem que seja sozinho. Por um lado é bom porque aprendo coisas incríveis com o meu tio. Já lhe disse que ele devia escrever um livro sobre lições de vida mas ele rejeita sempre, diz que o que o preocupa neste momento é os aumentos no preço da cocaína e como seria a sua vida se tivesse uma hérnia discal. A minha mãe no outro dia perguntou-me quem eu era e porque é que a tratava por mãe e comia a comida do frigorífico dela. Estava a ficar um bocado confuso e preocupado até o meu pai me explicar que aquilo era uma fantasia sexual deles para apimentar a relação em que fingiam que não tinham filhos. Perguntei se era por isso que me estavam sempre a mandar ir à mercearia do Rebelo comprar pão ralado, mas o meu pai disse-me que não, que isso era para eu aprender alguma coisa com o Rebelo da mercearia, em vez de dar ouvidos a uma gaivota, a um tolinho cheio de pancas e a um desaparecido.



A Xana da cantina manda-me mensagens todos os dias a dizer como está a fábrica para eu não sentir saudades e para não parecer que estou de férias. Também me diz o que é o almoço todos os dias, como está vestida e quais as posições sexuais que ela mais gosta. Com tanta partilha acho que nos estamos a transformar em grandes amigos. Depois do Júlio César e do meu patrão é a pessoa que mais gosto ali na fábrica. Mas como o meu patrão me deu férias, neste momento sou capaz de gostar um bocado mais da Xana da cantina. Depois acho-lhe piada. No outro dia mandou-me uma fotografia para o telemóvel mesmo esquisita, nem percebi o que era aquilo. Ela disse-me que, se eu quisesse, aquela era a minha ceia, podia passar em casa dela para ir lá comer. Disse-lhe que nesse dia não dava porque ia com o Júlio César jogar uma bilharada e ela respondeu-me a dizer «Lol». Está-se sempre a rir, é uma das coisas que gosto na Xana da cantina. Tive pena que não pudesse guardar a minha ceia no frigorífico para eu comer noutro dia. Espero que ela tenha comido para não se estragar, não gosto nada de deitar comida fora. 








P.S.: Se há pessoa que tenho pena é do Sr. Daniel da drogaria. Construiu um negócio de família honesto e até com algum sucesso e o filho, por querer expandir o negócio, alargou a drogaria às drogas todas. O Sr. Daniel sofre todos os dias quando lhe aparecem lá amigos do Ramalho a pedir-lhe colheres de café e cordas e ele sabe perfeitamente para que é aquilo. Apesar dos lucros da drogaria por causa do negócio paralelo do filho, o Sr. Daniel é alguém fiel aos seus princípios. É tão fiel aos princípios que me disse que nunca viu um fim de um filme nem de um jogo de futebol, chega a meio e vê outra coisa. Segundo ele, o que interessa é como começa e não como acaba. Muito diferente do meu tio que diz que os fins justificam todos os meios e nunca fala nos princípios. 


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