quarta-feira, 22 de maio de 2013

Coisas que os animais diziam se os conseguisses ouvir a falar


No outro dia tive alta alucinação. A minha mãe disse que era por causa de estar com gripe mas eu acho que foi por ter comido aqueles cogumelos no Parque da Cidade quando estava à procura de frutos do bosque. Disseram-me uma vez que o Parque da Cidade era um bosque, por isso fui ver se tinha lá frutos do bosque. Tinha moços a correr, moças a andar, moços e moças a encavarem-se e outros moços a verem esses que estavam no encavanço. Também vi cães, patos e gaivotas, mas frutos do bosque nada.


Das duas uma, ou o Parque da Cidade não é considerado bosque ou os frutos do bosque sabiam que tinham sido descobertos e esconderam-se. Ouvi dizer que eles são a maçonaria dos frutos, reúnem-se em segredo para conspirar contra as bananas e as ameixas e têm um triste destino sempre que são apanhados: são transformados em iogurtes de frutos do bosque. Uma parte da minha alucinação foi ter ouvido estas coisas mas não foi a pior parte. 


A pior parte foi uma coisa que nem me deixou dormir direito. Era o Dr. Dolittle português e percebia o que os animais diziam, mas não podia falar com eles, só ouvir. Mas isso já foi escolha minha, que o Dr. Dolittle começou a falar com eles e ficou maluco e eu isso não quero. Vou partilhar com vocês algumas coisas que ouvi então nesta alucinação:



  • Carneiros: a grande decepção dos carneiros em geral é terem uma conotação altamente negativa na linguagem humana. Quando alguém chama carneiro a outra pessoa está a falar de signos. Os carneiros acreditam que podiam ter uma marca muito mais profunda na sociedade para lá de serem apenas um signo. Um deles até disse que um «pontapé à carneiro» podia ser um gesto técnico extremamente difícil e bonito no futebol;

  • Veados: uma das maiores protecções que o Mundo criou em redor dos veados foi o Bambi, que mostrou o lado humano deles. Durante uns tempos a caça ao veado foi muito menor por causa do filme, mas depois toda a gente se esqueceu do filme e desatou a matar veados por causa do estereótipo de se chamar «veado» aos homossexuais. Segundo o que ouvi um veado dizer, os homossexuais comem mais peru e nunca ninguém lhes chamou «perus»;

  • Perus: naqueles debates na televisão estão sempre contra os veados. A Associação dos Direitos dos Perus insiste em dois argumentos que, a meu ver, são fortíssimos. Primeiro, deram nome a um país muito fraquinho, que nunca ganhou uma guerra, nunca ganhou nenhum mundial de futebol e ainda por cima não tem nenhuma bebida alcoólica originária de lá que seja boa. Segundo, porque começam a ser mal vistos na comunidade animal por começarem a roubar protagonismo aos frangos sempre que um guarda-redes comete uma falha grave que resulta em golo. Depois disto ainda queriam que os associassem aos homossexuais? Era o extermínio dos perus;

  • Cabras: os concertos de Marilyn Manson eram os maiores pesadelos das cabras. Durante uma digressão daquele moço esquisito morria sempre a prima de alguma conhecida e eram meses de luto e de luta pela sobrevivência. Entretanto, esse moço deixou de dar concertos e as cabras começaram a ser mais poupadas. No entanto, a associação a moças que deixam a desejar em termos de atitudes e comportamentos fez com que o número de ataques raivosos a cabras por parte de moços amargurados tenha matado umas quantas e mandado outras tantas para o hospital. E o hospital das cabras não é nada barato;

  • Ursos: se ouvissem os ursos a falar, como eu ouvi, iam ficar perplexos com a inteligência deles. Discutem filosofia, o sentido da vida e a conjuntura macro-económica da Europa moderna. Debatem história e a influência dos fenícios na confecção do souflé de caranguejo. Trocam receitas de salmão e de criança perdida no mato. Por isso, imaginem a indignação que vai para aqueles lados quando descobrem que são equiparados a um burro ou a uma carpa por uma espécie que, para eles, cru é bom mas grelhado sabe muito melhor;

  • Vacas: como deve ser do conhecimento humano, as vacas gostam do protagonismo e da atenção. Também têm especial atracção pelos bois, quer as vacas-vacas quer as vacas-humanas. Por isso, não é de estranhar que por aqueles lados andem extremamente irritadas e amarguradas com o facto de muito do mercado das vacas ser agora ocupado pelas porcas. De repente, sem que nada acontecesse para tal substituição, uma porca deixou de ser uma moça que gostasse de comer lápis de cera para ser uma moça que usa calções que parecem boxers. Invadiram o território das vacas. Agora não há aquela distinção clara que havia entre uma porca e uma vaca, como no passado. 





Outras perguntas surgiram na minha cabeça. Por exemplo, o que é um cabrão? Não descobri resposta enquanto percebi os animais, ninguém falou nos cabrões, ninguém os mencionou e muito menos ninguém insultou alguém utilizando esse termo. E acreditem que eles falaram de tudo. De morsas, de pigmeus, de dragões do Komodo e de rouxinóis. Também ninguém falou de vinténs. O que é um vintém? Até aos meus 17 anos pensava que um vintém era uma moeda mas depois um amigo meu, uma vez, disse que eu por uma cerveja dava o cu a três vinténs e então percebi que era impossível ser uma moeda. Adorava descobrir o que é um vintém. Também adorava voltar a ser feliz, mas para já preferia saber o que é um vintém.






P.S.: Esta coisa de estar ausente daqui durante 700 anos tem uma coisa de positivo: não preciso de dar explicações a ninguém no início porque demorei tanto tempo que vocês, mal viram um texto novo, já estavam aí a fervilhar. Depois, também serve para outra coisa muito mais importante: quando não sei mais que dizer no P.S. posso sempre falar porque estive tão ausente e não escrevi nada nos últimos 8 meses e meio. Detesto admitir mas às vezes o Tolentino tem razão, isto dos P.S.'s às vezes é difícil. Também tem razão quando diz que os recordes do mundo são uma estupidez, mas isso fica para outro P.S.


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