Muita coisa na vida muda. Há moços que começam a usar decotes, moças que começam a usar preservativos de mulher e gente que decide começar a escrever aqui como se isto fosse um diário de bordo de um capitão do navio que levou o Vasco da Gama até à Índia. Aposto que o Camões era o responsável por escrever o diário de bordo e quando o Vasco da Gama viu que ele em vez de ter escrito as rotas e as descobertas que fizeram durante a viagem se tinha posto ali a escrever poemas e histórias inventadas sobre monstros atirou-o borda fora. Esperto foi o Camões, que trouxe o livro com ele e depois fez fortuna com aquilo. Ainda hoje deve andar a receber direitos de autor.
Também o Teófilo, no outro dia, enquanto conversava comigo fez-me mudar a minha perspectiva de vida. Antes que perguntem, sim, nós falamos. O Teófilo é uma excelente pessoa para se conversar. Também é excelente a fritar alheiras, a citar cenas de todos os «Velocidades Furiosas» e a jogar à lerpa. Só não é assim grande coisa a escrever e por isso é que nunca mais veio aqui. Descobri que também é bom a fazer mudar as perspectivas às pessoas. Quando me perguntou o que é que eu fazia se emigrasse para o Quirguistão pôs-me a pensar. Talvez a primeira coisa que eu fizesse fosse procurar uma churrasqueira que fizesse panados como a «Churrasqueira» daqui.
Mas adiante, porque a vida não é só histórias de emigrar para o Quirguistão. Se bem que a emigração, com este contexto de crise, seja cada vez mais algo a ponderar. Alguém que tem bem presente nas suas letras (sim, porque a Rosinha canta e vamos falar da Rosinha, não me enganei no título) os grandes dramas da sociedade moderna e contemporânea é a Rosinha, alguém de quem já disseram ser a versão feminina do Quim Barreiros. Eu revejo-me nessa afirmação até porque ambos são cantores de intervenção e uns críticos sociais com uma amplitude de pensamento invejável. Vejam alguns exemplos de músicas:
- «Quem põe a minhoca sou eu»: o dilema do mundo moderno, em que qualquer um é pescador. Antigamente, pescador era uma profissão para homens robustos e sem medos. Rosinha expõe isso mesmo nesta música, em que o namorado só vai pescar para aliviar a cabeça e que depois, chegada a altura, lhe mete impressão pôr a minhoca no anzol e tem que ser ela a executar tal tarefa. Como se já não fosse mau o suficiente ir pescar só por lazer e roubar mercadoria de trabalho a quem faz disso profissão!
- «Na conta da tua mãe»: outra música extremamente pertinente. Numa sociedade em que o mal impera e vigaristas espreitam a cada esquina, Rosinha avisa aqueles que têm os pais a viver sozinhos, em aldeias remotas para o facto de haver vigaristas que vão às mercearias, não pagam e põem na conta de idosos que andaram a observar durante dias. Já ninguém cai naquela de ter ganho um colchão e que para isso tinha de comprar 10 enciclopédias, a grande vigarice dos tempos modernos é esta de ir a mercearias, encher os sacos e depois dizer que fica na conta da Dona Ermelinda, que é minha tia e ela depois paga;
- «Eu chupo»: o título não é condizente com o tema estrutural a que Rosinha se refere no resto da música. Realmente, o paradigma da sociedade está completamente mudado, cada vez mais os papéis de género fazem parte do passado, não há trabalhos para homens e para mulheres. Há homens a ver a novela e mulheres a comentarem jogos de futebol. Rosinha mostra bem a mudança na sociedade recorrendo ao simples exemplo do gelado, que antigamente era coisa de mulher e agora há muito homem por aí a comer gelado. Até aqui não vejo nenhum problema, só vejo problema se for um homem graúdo a comer um Pirulo;
- «Eu levo no pacote»: esta música revela a tremenda capacidade de adaptação que o cidadão português tem ao contexto de crise. Com os cortes no subsídio de alimentação e com o aumento do IVA na restauração, fica uma fortuna comer todos os dias num restaurante. Com o desemprego a ser também um flagelo (inclusive para mim) é a mulher quem, numa perspectiva de poupar dinheiro, leva o almoço ao emprego do marido, num pacote reutilizável. Assim, além de poupar o dinheiro dos almoços, poupa o ambiente;
- «Por trás não»: Apesar do que dissemos mais em cima, dos papéis de género cada vez serem algo do passado, a mulher ainda é a maior responsável pelas limpezas e arrumações. Esta música revela bem o lado feminino e o drama subjacente às pessoas que têm entrada principal e traseiras. Já custa muito a manter uma casa limpa se as pessoas entrarem e saírem sempre pela mesma porta, agora imaginem se volta e meia se lembram de entrar pelas traseiras, com as sapatilhas cheias de lama ou com merda de cão. A empregada de limpeza do meu prédio uma vez fartou-se de limpar as traseiras e não limpou mais. Passadas 2 semanas já vivia lá uma família de ratos. E era uma daquelas que tinha para aí 4 filhos, não era um casal só com um filho;
- «Meu amor eu quero uma mala»: a isto os entendidos chamam de psicologia invertida. Através do choque, Rosinha faz uma sátira aquelas pessoas cada vez mais comuns, que mesmo em contexto de crise e com pouco dinheiro estouram dinheiro em coisas fúteis como numa mala, em 20 cactos ou num livro de Físico Química para o 9º ano. Numa altura em que as pessoas se deviam preocupar em poupar temos sempre que levar com moças destas a pedirem malas só porque sim ou a pedirem um Bailley's quando o combinado foi tomar um café;
- «Eu lambo a dele e a dela»: sempre ouvi dizer que no aproveitar está o ganho. Também já ouvi dizer que em terra de cegos quem tem olho é rei mas isso de haver uma terra só para cegos era altamente discriminatório. Imagino haver uma polícia dos cegos e sempre que visse algum na rua punha numa carrinha e exportava-o para a terra dos cegos. E para ser rei precisava de ser um ciclope, só com um olho, ou podia cegar-me de propósito de um olho só para ser rei? E porquê rei e não presidente? Muitas perguntas. Mas com esta música a Rosinha quis passar a mensagem que devemos aproveitar tudo, se os outros desperdiçam esse não deve ser o nosso exemplo.
Muitas perguntas ficaram na minha cabeça em relação à viabilidade desta terra de cegos. Havia alguma constituição ou era tudo à vontade do rei? E como é que o rei era proclamado? Será que só o rei podia ter um olho e governava sozinho ou podia ter assessores e secretários? Não imagino o rei a fazer leis, estar em inaugurações, nas reuniões da ONU e a assinar tratados de trocas comerciais tudo ao mesmo tempo. E se tivesse ajudantes tinham que ser cegos ou podiam ter os dois olhos? Só não podiam era ter um, que aí eram concorrentes ao trono. E como se chamaria essa terra? «Terra de Cegos»? Que raio de nome. Era a mesma coisa que a Gâmbia se chamar «Terra de Pretos» ou os Estados Unidos chamarem-se «Terra de Imigrantes». As pessoas que pensem nestas coisas antes de inventarem ditos populares completamente inviáveis.
P.S.: Distrai-me um bocado com a reflexão da terra de cegos e não fiz um comentário final à Rosinha. Podia tê-lo feito se não tivesse já escrito aquilo tudo. Deu trabalho, não ia apagar. Era como quando nos testes de Português a meio da composição via que o que estava a escrever não tinha nada a ver com o tema e em vez de riscar tudo fazia só uma conclusão que tivesse a ver com o tema, sempre tinha alguns pontos em vez de ter tudo mal. E punha-me a escrever palavras grandes e complexas para a professora também valorizar a minha capacidade de escrita apesar de ter fugido ao tema. E a Rosinha tem letras aparentemente superficiais e a fugir para uma tendência de índole sexual mas no fundo faz é críticas sociais contemporâneas.
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