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quarta-feira, 31 de julho de 2013
Amanhã começam as minhas férias
Não consegui convencer o meu patrão a não me dar férias, o argumento dele é que isso era ilegal e para ilegalidades já chegava pagar metade do salário do Nando Farras em estupefacientes. Nunca percebi bem a influência que o Nando Farras tem naquela fábrica. Já várias pessoas me tentaram explicar mas usam sempre termos esquisitos e que não compreendo e por isso continuo sem perceber. O Venâncio disse-me que o Nando Farras dá ao patrão free-passes em bares de strip. Não sei o que é isso, a única vez que fui a um bar de strip só lá vi moças e garrafas de champanhe. A Xana da Cantina disse-me que uma vez o Nando Farras salvou o filho do patrão de uma overdose. E o Júlio César disse-me que o Nando Farras o ajudou a passar o último nível do Final Fantasy XXXIII. Como não sei o que é nada disto, continuo sem perceber a influência dele.
Certo é que nem o Nando Farras me safou. Fui-lhe perguntar se não queria ter 20 dias de férias, que eu ia trabalhar por ele mas rejeitou. Disse-me que eu era certinho e chegava sempre a horas e que o patrão ia demorar dois dias para descobrir que não era ele que andava a ir trabalhar. O Venâncio já me tinha dito que uma vez o Nando Farras foi de férias para Valongo e mandou um primo ir trabalhar por ele e o patrão descobriu passados 3 dias que não era o Nando Farras porque não tinha desaparecido nem uma colher de café. Fui falar então com o Clemente, que trabalha na secção dos defeitos e reza a lenda que em 15 anos de trabalho na fábrica nunca chegou atrasado, nunca roubou uma sobremesa ao almoço e nunca perdeu um jogo de ping-pong na pausa para café. Perguntei-lhe se ele não queria ter 20 dias de férias e eu ia trabalhar por ele, que também chegava sempre a horas. Disse-me que aceitava mas tinha que lhe ganhar no ping-pong ou pelo menos dar luta para ninguém desconfiar. Nunca tinha jogado ping-pong mas é uma porcaria. Quando chegou ao 6-0 o Clemente disse que tinha acabado o jogo e desejou-me boas férias.
Ao almoço nem tirei sobremesa, nem fruta. Estava triste, nem conseguia comer uma chiclet Gorila ou um Chipicao de morango. Naquela altura, só conseguia comer uma alheira ou um rissol de carne. Mas o almoço era arroz de frango por isso deixei tudo no prato. A Xana da cantina veio-me perguntar se eu não ia comer e como lhe disse que não levou o meu prato ao Sandro, que é um moço que pesa 146 kg e diz que o grande objectivo da vida dele é chegar aos 150 kg, que é muito mais fácil de dizer que pesa 150 kg do que especificar que pesa 146 kg ou que dizer «peso quase 150 kg» e depois as pessoas perguntam «Quanto?» e ele tem que dizer na mesma que pesa 146 kg. O Sandro manda vir todas as roupas dele de Inglaterra, por isso deve ser rico. Se não fosse, não pesava 146 kg, que a minha mãe está sempre a dizer que a comida está cara e ninguém engorda por engolir ar. O meu tio disse-me uma vez que um moço que andou com ele na escola tinha uma namorada que engravidou por se sentar numa sanita numa estação de autocarros, mas nunca conheceu ninguém que engordasse por engolir ar.
Depois de ter ido levar a minha comida ao Sandro, a Xana da cantina voltou. Perguntou-me se eu estava triste e eu disse-lhe que sim, triste e desamparado, não sabia o que fazer. Ela disse-me que se eu me sentisse melhor lhe podia mexer nas mamas à vontade. Talvez me pudesse ajudar noutra altura mas naquele momento não era o melhor para mim, eu queria era não ter férias. A Xana da cantina disse-me que nas férias costuma andar toda nua em casa e que se eu quisesse podia ir lá visitá-la todos os dias. Agradeci o convite, realmente, já que vou ter férias mais vale ter alguma companhia em vez de estar sempre fechado em casa ou do que ir lanchar com o Gary e com o Tolentino e ouvi-los a falar do Teófilo como se ele tivesse desaparecido quando sabem perfeitamente onde ele vive, a que café ele vai e como ele gosta mais do frango. Surpreendentemente, o Teófilo prefere uma fricasé de frango a frango de churrasco. Mas voltando ao convite da Xana da cantina, talvez passe lá por casa um dia ou outro, para não abusar da paciência dela. Mas ligo-lhe primeiro a avisar, que é para ela se vestir, sei bem o que é ser apanhado de surpresa nu. Uma vez vieram entregar uma encomenda ao meu irmão quando eu estava a tomar banho e abriram a porta da casa de banho ao pontapé e apontaram-me uma arma sem eu estar a contar e apanharam-me todo nu. Por isso é que agora tomo sempre banho de t-shirt e de boxers.
Talvez nestes 20 dias tenha mais tempo para pensar em textos para vos escrever. No outro dia na fábrica, numa pausa para café, estava a falar com o Júlio César como seria se alguém se lembrasse e escrevesse um novo testamento. Como é que se ia chamar o actual «Novo Testamento»? Ia ficar «Antigo Testamento» e o «Antigo Testamento» ia passar a chamar-se «Testamento ainda mais antigo»?. O Júlio César riu-se e disse que eu até parecia o Gary a pensar. Já uma vez um fotógrafo na escola me disse que eu era parecido com um moço que ele tinha molestado numa carrinha de gelados e perguntou-me se tinha algum irmão chamado Paulo. Disse-lhe que não mas disse-lhe que o meu gelado preferido era o Feast, porque tem tanto chocolate como o Magnum mas é mais barato. Ele disse-me que não tinha Feast mas que se gostasse de lamber e chupar um Calipo dos grandes e bem quentes podia ir com ele até ao carro dele. Ainda estive para lhe perguntar qual o sabor mas nunca gostei muito de gelados quentes. Gelado quente é tipo sopa. E aposto que ia ser um Calipo de Piñacolada e desses não gosto nada. Muito menos quentes. Nunca mais vi esse fotógrafo na escola mas espero bem que esteja onde estiver agora ao menos que ofereça gelados em condições e sem serem quentes.
P.S.: Estou a gozar os últimos momentos aqui na fábrica. Agora sei como se sentem aqueles moços que fazem a última refeição e depois vão para a cadeira eléctrica. É uma sensação horrível. Hoje já me despedi para aí 3 vezes do Venâncio apesar de ele me ter convidado para ir a casa dele na sexta-feira para um torneio de sueca. Se quiserem saber, a minha última refeição vai ser bacalhau com natas. Nem sequer pude escolher o que queria comer antes de ir de férias. Se pudesse escolher pedia filetes de polvo. A Xana da cantina disse que se eu quisesse uma grande dose de linguados ela mesma mos podia dar da maneira como eu mais gostasse. Por acaso não gosto muito de linguados mas ao menos a Xana da cantina preocupou-se com o que eu queria. Quem me dera que ela me fizesse dois filetes de polvo sem ninguém ver e me pusesse no prato às escondidas.
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