Pouca coisa dá mais pinta do que se chamar Vítor Pargo. Anteontem sonhei que me chamava Vítor Pargo, era empresário daqueles que só dizem que são empresários mas ninguém sabe especificamente do quê, mas andam sempre de fato, uma mala e conduzem um carro daqueles que as pessoas olham e pensam «este deve estar bem na vida». Mas como não me chamo Vítor Pargo e ainda por cima não fico bem de fato, decidi refrear as minhas expectativas e não ligar a esse sonho. Por isso, ontem esforcei-me em sonhar como sendo o Gary Gaivota e tive alta alucinação. Sim, alucinação, porque não cheguei a sonhar. Quando adormeci sonhei que era o repórter de imagem de uma guerra dos Visigodos contra os Romanos e que no fim fui entrevistar o capitão dos Visigodos que admitiu que o adversário foi superior mas que tinha sido só uma derrota e iam continuar a trabalhar para melhorar.
Bons tempos esses, embora o meu trabalho fosse um pouco perigoso e instável. Às vezes o capitão dos derrotados não podia vir à flash-interview porque tinha morrido ou então alguém pensava que eu era adversário e tentavam matar-me. Ainda bem que esse é só o meu emprego dos sonhos. Uma moça que chegou a dormir comigo disse que eu passava a noite a rir-me e a fazer perguntas. Eu disse-lhe que não se podia queixar muito, queria ver o que ela me tinha para dizer se eu sonhasse que era um Visigodo e estivesse em guerra contra os romanos. É que naquela altura valia tudo nas guerras. Já nem me lembro que moça me disse isso, provavelmente também a alucinei.
Mas voltando à alucinação de que falei ao início, cheguei à conclusão que ia adorar trabalhar numa secção de congelados. Enquanto Vítor Pargo isso seria limitar o meu potencial de acção, mas enquanto Gary Gaivota parece um emprego que iria adorar. Reuni alguns argumentos para vos mostrar o porquê:
- Já tinha uma frase para dizer às moças bonitas que passassem pela secção: «Desculpe mas não pode estar perto da banca.» As que não fossem mal encaradas ou convencidas perguntavam porquê, e aí eu respondia: «é que esse sorriso já me derreteu o gelo todo». Brilhante!
- Trabalhando numa secção de congelados podia dizer aos meus amigos que andava o dia todo à beira de peixe e dar a entender que o peixe eram moças, nem que fosse por uns minutos. Volta e meia também podia começar frases do género «hoje lá no trabalho estive com um peixe» ou «e o que aconteceu hoje lá com um peixe no trabalho?» e enganava inicialmente os mais desprevenidos ou os que não soubessem o que eu fazia na vida;
- Aposto que ia aprender mil e uma piadas sobre douradinhos e sobre os congelados no geral. Além disso, se tivesse colegas de trabalho porreiros, aposto que a minha teoria de que o Capitão Iglo é um predador sexual, que rapta crianças e as leva para uma ilha, obrigando-as a trabalhar e ainda as viola e que, como se não bastasse, põe a pila em todas as caixas de douradinhos que exporta, ia ter aceitação. Depois ainda podíamos discutir o que ganhavam as autoridades com tudo isto, porque sabiam o que se passava na ilha mas mesmo assim os únicos barcos que lá iam era os que iam buscar os produtos;
- Se há coisa que sempre quis fazer foi dar uma chapada a alguém utilizando um peixe, como sempre vi nos desenhos animados. Agarrar no peixe pela cauda e distribuir chapadas. Não podia fazer isso a companheiros de trabalho, que eles já devem saber os truques todos, por isso chamava o Jorge Abel e dava-lhe com uma solha mesmo no focinho. Deve ser daí que nasceu a expressão «comes já com uma solha», provavelmente algum visionário empregado numa secção de congelados;
- Com o tempo, ia passando a dominar cada vez mais os termos dos congelados e ia começando a fazer metáforas à Rebelo. Depois, ia ganhando crédito nisso e as pessoas iam passar a chamar-me de «Rebelo dos Congelados». A vida das pessoas ia ser bem melhor. Iam à mercearia do Rebelo e levavam com as metáforas sexuais e histórias dele. Depois iam buscar um peixe ou uma caixa de rissóis de pescada e levavam com o «Rebelo dos congelados». Era impossível haver dias maus;
- Certamente que ia ser o delírio das velhinhas. Um dos pontos negativos dos congelados é que a maior parte dos clientes são homens que queriam demonstrar que percebiam mais que eu ou velhinhas que me iam achar muito simpático. Mas isto não tinha necessariamente que ser negativo! Ao princípio, ouvia os sabidolas que iam lá demonstrar que sabiam mais que eu e passado uns tempos já os calava e ganhava o respeito deles. Às velhinhas, averiguava se tinham filhas, sobrinhas ou netas solteiras e pedia para ver fotografias. Como já tinha ganho a simpatia delas, facilmente as convencia a apresentar-me de um modo muito favorável;
- Este último ponto fez-me pensar noutra coisa que ia engrandecer o meu trabalho. Tal como o Vítor Piranha da Churrasqueira, que assa os frangos, diz que é o «Rei do Pito», eu também me podia proclamar o «Rei do Peixe». Certamente iria ser respeitado por uns, outros iriam perguntar-me se esse não era o Aquaman e ainda outros iam dizer que para me chamar «Rei do Peixe» teria que me chamar Virgílio Atum. Eu iria venerar quem me dissesse esta última frase;
- Sempre que tivesse algum encontro com uma moça que se rendesse aos meus encantos tinha um porradão de frases lamechas para lhes dizer sobre a minha profissão. Aprendi num seminário a que fui que as moças gostam de chocolate, de novelas, de frases lamechas e de serem assediadas em elevadores. Desta última não tenho a certeza mas quem deu o seminário foi um moço que já tinha sido processado 10 vezes por assédio sexual, portanto alguma coisa havia de perceber do tema. Mas entre as frases lamechas podia dizer, por exemplo: «o mais difícil de trabalhar no meio de tanto gelo é que é incompatível com o meu coração quente» ou «posso dizer que entre peixe congelado e pessoas frias, prefiro os primeiros».
Aposto que aqueles de vocês que se estavam a rir de mim pelo título engoliram o sorriso agora que viram o potencial que há em trabalhar numa secção de congelados. Não sei bem quão difícil é engolir um sorriso. Será mais difícil engolir o sorriso ou um sapo? E na expressão «engolir um sapo», o sapo tem de estar vivo ou pode estar congelado? E é um sapo normal ou daqueles grandões que aparecem nos programas do National Geographic? Por acaso nunca engoli um sapo, nem nunca engoli o sorriso, mas uma vez engoli uma mosca quando ia a correr na praia. Não sei bem se foi um crime involuntário ou se foi um suicídio planeado por parte da mosca. Sei é que não me soube a nada e ainda por cima fez-me aguentar mais tempo a correr. Agora percebo porque é que os chineses, que só comem gafanhotos e baratas, constroem prédios numa semana.
P.S.: Agora só me falta encontrar alguma secção de congelados que esteja a recrutar pessoas e conseguir ser seleccionado. Não sei bem quais os requisitos necessários para se trabalhar na área e para se ser aprovado na entrevista, mas espero que não seja nada que envolva trincar cubos de gelo, nadar 200 metros mariposa num lago gelado ou lutar com um bacalhau pela sobrevivência. Se for para nadar ao menos que seja costas, que assim fazia gelo na minha região lombar e curava a hérnia que fiz nas costas há uns tempos quando o meu quarto estava a ser pintado e eu tive que tirar os móveis todos de lá.
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