segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Temas que resultam sempre bem no jantar de Natal


Considerem este texto serviço público. Não que eu esteja em dívida para a comunidade, pelo contrário, acredito que é a comunidade que está em dívida para comigo, principalmente porque nunca pintei nenhuma parede e nunca agredi nenhum polícia. Pelo contrário, um polícia é que uma vez me agrediu porque me confundiu com o Pablo Escobar. Disse-lhe que o Pablo Escobar já estava morto há pelo menos 15 anos e era colombiano. Ele também me disse que não era polícia nenhum e só lhe apetecia bater em pessoas ao acaso e dizer que as tinha confundido com figuras do passado. Nunca mais vi esse moço mas numa coisa ele tem razão: no outro dia dei grande cachaço ao Jorge Abel e disse-lhe que o tinha confundido com o Stevie Wonder e foi o melhor momento do meu dia.



Há pouca coisa que eu gosto no Natal e muita coisa que não gosto. Uma das que menos gosto é o de quase ser obrigado pela sociedade a dar dinheiro a mendigos ou a desejar bom Natal a toda a gente que se cruza comigo, me atende em algum serviço ou me conhece de vista. Mas, a pior coisa do Natal é mesmo as mensagens que recebo no telemóvel de gente que eu já nem me lembrava que tinha o número ou que sequer ainda os conhecia. Ainda por cima podia aprender alguma coisa com as mensagens mas falam sempre de renas, de comer muitas sobremesas e de receber muitas prendas. Grande merda! Haviam era de mandar mensagens a dizer «aproveita bem este Natal e às 22:45 vai dar o Rambo III no Hollywood». Isso sim, eram mensagens que me fariam voltar a ter contacto regular com essa pessoa.



Contudo, o que me traz aqui hoje é outra coisa. Todos estamos envolvidos em jantares de Natal, seja sozinho só com o gato, com 300 pessoas das quais apenas conheço 4 ou num núcleo mais restrito, da família. Porém, em todo o lado acontece a mesma coisa: do que raio se vai falar nos primeiros 20/25 minutos do jantar, quando os que bebem ainda não estão alcoolizados para falar de tudo e há aquele desconforto? Eis-me a fazer serviço público:




  • Delirar sobre o percurso do Pai Natal. Se ele existisse porque país começaria? E que rota seguiria? E ia a todos os países ou só aqueles em que lhe permitissem o visto de entrada? E só ia aos países de uma determinada religião ou tem protocolos com todas as religiões? E para aqueles países xungas tipo o Lesoto ou o Burundi, ia lá ele, já para o fim, ou mandava um sósia fraquinho para eles ficarem contentes? As pessoas, de uma maneira ou de outra, vão aderir. Se estiverem crianças na mesa, a conversa vai ganhar contornos ainda mais realistas e o delírio até vai parecer real;

  • Mencionar o que deve pensar um bacalhau por esta altura. Voltou à cidade onde cresceu e a escola está vazia, os estabelecimentos estão todos fechados e a cidade, antigamente cheia de vida, é agora uma cidade fantasma. O Natal é uma espécie de apocalipse anual dos bacalhaus. É tipo o Walking Dead lá do sítio, em que os que se escondem bem é que conseguem sobreviver. Se alguém na mesa tiver visto Walking Dead, eventualmente este primeiro tópico delirante deriva para uma conversa sobre a série e sobre os desenvolvimentos futuros desta;

  • Dizer que em países como Israel, Marrocos ou Egipto há campeonato a decorrer, com jogos marcados. As pessoas depois vão começar a falar sobre lá não haver muitos cristãos e os muçulmanos não festejarem o Natal. Eventualmente, algum moço que esteja na mesa vai perguntar se há algum jogador de jeito no campeonato marroquino e outro moço, com mais idade, vai associar Marrocos aquele filme dos anos 60 que já deu 785 vezes na televisão, o Casablanca. Do nada, há um montão de temas de conversa;

  • Telecomunicações e telemóveis. Pessoalmente, recomendo começar-se com o tema das mensagens de Natal que se recebeu. Atenção para não se gozar com o conteúdo de algumas mensagens pois alguém na mesa pode ter enviado uma igual a alguém e ficar ofendido. É melhor deixar-se as críticas rebaixadoras sobre essas mensagens para quando já houver alguém alcoolizado na mesa. Até lá, fica sempre bem dizer algo como «todos os anos é a mesma coisa, nunca muda, até já sei algumas de cor». As pessoas vão começar a partilhar que receberam esta do não sei quem e aquela daquele. Quer dizer, as pessoas sabem de quem receberam, eu é que não e não vou estar para aqui a inventar nomes;

  • Política é sempre um tema que dá para sustentar um bom bocado do jantar enquanto o álcool não faz efeito. Criticar-se os actuais, os anteriores, dizer que eles são todos iguais, chamar-lhes mentirosos, corruptos e desleais. Fomentar o ódio para com a classe política até haver alguém que lhes chame «filhos da puta». Alguém mais idoso vai referir-se à ditadura e de como com o Salazar eram tempos duros mas era o que faltava agora ao país. Outro vai contrapor e dizer que o Salazar foi o pior que aconteceu ao país. Entretanto o tempo vai passando e o jantar já está lançado;

  • Estereótipos. Há um montão deles, muitos acertados, outros falhados. Mas, o que os estereótipos têm de bom é que geram sempre discussão. O meu conselho é este: atirar estereótipos à balda, para o ar, para ver se alguém se insurge ou se concorda e começar uma conversa daí. Eu começava por, por exemplo, dizer que os indianos estão cheios de doenças porque se lavam no Rio Ganges que é onde também tomam banho os elefantes e que é por isso que nunca vou comer a um restaurante indiano. Alguém há-de concordar, outro há-de discordar e ainda há alguém que se há-de rir, mas que não vai ajudar à discussão por só se rir e não contribuir com ideias;

  • Para acabar com os temas deixo para o fim o meu preferido: dizer mal dos vizinhos ou de pessoas da vizinhança e contar histórias chocantes. Mesmo que quase todos saibam da história, há alguém que não há-de saber e urge contar essa história; se todos conhecerem a história, não se importam que se repita, porque não há nada melhor que achincalhar e rir-se à custa de um vizinho ou de um conhecido que fez alguma coisa vergonhosa. Depois da primeira história, há um manancial delas que vêm à tona e já aí ganhas embalo para a noite toda.





Perante isto, só me apraz dizer uma coisa: não têm de quê. Mas se me quiserem mesmo agradecer, eu deixo o meu NIF em mensagem privada para que possa viajar até às Ilhas Seychelles e beber o melhor Capri-Sone do Mundo. Também pensei em ir até ao Egipto descobrir o segredo de Ramsés para um pequeno-almoço equilibrado ou então partir rumo à Nova Zelândia, terra natal e único sítio do Mundo onde existem realmente frutos do bosque e que, rezam as lendas, não são nada daqueles frutos que o Mundo Ocidental diz que são e que metem nos iogurtes. Ou isso, ou provavelmente é dinheiro para álcool e para anti-psicóticos. Não me julgues, ao menos fui sincero e não vos enganei. Tirando na primeira parte deste parágrafo, que foi propositadamente escrito para vos levar em erro.








P.S.: Mas é Natal, ninguém leva a mal. Ou isso só se diz para o Carnaval? Porque raio é que ninguém levaria a mal uma coisa no Carnaval mas levaria no Natal? Fazia mais sentido ser ao contrário. O Carnaval não é em Dezembro, em Dezembro é que é crime chatear-me com alguém ou bater em alguém. Uma vez no Carnaval vi uma moça mascarada de gata e atirei-lhe com água fria para ver se era verdade que gato escaldado de água fria tem medo. Ela tanto teve medo como chamou um moço que estava mascarado de cão e me deu dois estalos. O moço que estava mascarado de cão não ladrava, por isso é verdade que cão que ladra não morde, assim como é verdade que cão que não ladra espeta dois estalos daqueles que deixam a cara mais vermelha do que fazer a barba sem usar after-shave. 


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