domingo, 2 de fevereiro de 2014

A carta que eu enviei à Bom Petisco


Por esta altura devem estar a dizer que eu agora só escrevo cartas e que não devo ter mais nada para fazer. É o que dá ser um picheleiro a trabalhar por conta própria, que tem os mesmos clientes há 15 anos mas que mudou de rua depois de se casar. Os da rua onde eu vivo agora ou não me conhecem e não sabem que eu sou picheleiro ou já têm o picheleiro deles. Podia ao menos ser um mau picheleiro e arranjar mal as coisas, que assim os meus clientes continuavam a chamar-me, mas como sou um bom picheleiro já não tenho serviço há 3 semanas, está tudo a funcionar bem por minha causa. Por isso, como tenho tido muito tempo livre, decidi voltar a chatear uma empresa que me tem desagradado e deixo-vos aqui a carta que escrevi e enviei à Bom Petisco. 



«Boa tarde, 


Desta vez escrevo só «boa tarde» porque sei que apesar desta carta poder ser aberta e lida de manhã, só chega aos superiores da parte da tarde, que de manhã estão sempre em reuniões ou a fingir que estão, que eu bem vejo nos filmes que os que têm os escritórios maiores dizem sempre que estão numa reunião e estão a consumir drogas ou a estrupar uma moça, se não for mesmo a secretária. Podem achar estranho ter dito «desta vez», tendo em conta que é a primeira vez que vos escrevo, mas já escrevi uma carta à CapriSonne ainda na semana passada e por isso, para mim, não é a primeira vez.


Mas vamos ao que interessa. Eu adoro atum. Só não digo que sou a pessoa no Mundo que gosta mais de atum porque o meu amigo Gary disse-me que tinha um amigo chamado Matthew Praias que comia atum todos os dias e que numa ocasião preferiu ir comer Atum à Brás com o Gary em vez de ir para a cama com duas suecas que tinha conhecido na praia porque achava que esse tal de Brás só fazia pratos de bacalhau e então era uma ocasião inadiável. Não que esse tal Matthew Praias tenha dificuldades em arranjar moças, disse-me o Gary que já teve 57 parceiras sexuais diferentes. Contudo, apesar de comer atum todos os dias, sempre se manteve fiel a uma mesma marca.


E esse é o motivo desta carta. Ao contrário do Matthew, de quem não sou amigo mas vou tratá-lo a partir de agora por Matthew para não estar sempre a escrever Matthew Praias, eu apenas tive 2 parceiras sexuais. Uma é a minha mulher e outra é uma amiga da minha prima. A minha mulher não sabe disto, por isso, mesmo que se sintam melindrados com o teor da carta, não lhe contem nem tentem fazer chantagem comigo por causa disto que eu já vi muitos filmes de espiões capturados e quer eles falem, quer não acabam por morrer, por isso mais vale não ceder. Contudo, há uma coisa que partilho com o Matthew: também eu sempre me mantive fiel a uma mesma marca de atum. 

Não é a Bom Petisco. Apesar de reconhecer qualidade à Bom Petisco, porque uma vez a minha mulher comprou o vosso atum, não me disse, e eu comi como se fosse da Ramirez, que é a marca que eu compro sempre e eu nem achei mal. Se um dia a Ramirez acabasse ou passasse só a fazer aquele atum com grão, que sabe mal, passava a comprar só atum Bom Petisco. Mas há algumas coisas que me enervam na «Bom Petisco» e que vou expor nas próximas linhas. Primeiro, não gosto nada das vossas embalagens. A Ramirez tem embalagens azuis, com letras amarelas e brancas, são cores pacíficas, não fosse o azul a cor do mar, que é onde vive o atum. As vossas latas não. Primeiro eram verdes, mas um daqueles verdes feio, parecia mais cinzento que verde mas era verde. Depois passaram para uma cor que nem sei dizer o que é, mas que parece que alguém arrancou o rótulo. Se se vir de lado parecem embalagens sem rótulo, depois é que vamos a ver e é Bom Petisco.


Segundo, não gosto do vosso nome. Dizer «Atum Bom Petisco» é um pleonasmo e quase que obriga as pessoas a comprar porque concordam que realmente o atum é um bom petisco, apesar de ninguém falar assim. Não é bonito alcançar-se o sucesso à custa dos outros. Claro que as pessoas vão comprar «Bom Petisco» porque não é nenhum pleonasmo dizer-se «Atum Ramirez» ou «Atum Calvo» ou «Atum Vasco da Gama». Aliás, este último até parece uma alcunha que um atum ganhou por viver no Oceano Atlântico e ter reunido meia-dúzia de amigos e três primos e terem descoberto um caminho para a Gronelândia, ficando conhecido como o «Atum Vasco da Gama». Se calhar, gente menos informada, até comprava mais depressa este último que o atum da Ramirez. Porque é que não consideram mudar de nome? Até porque «Bom Petisco» é um óptimo motivo para os homossexuais meterem conversa comigo na fila do supermercado. «Olá gato. Estás numa bicha comigo e és um bom petisco. Queres vir jantar comigo?». Estou mesmo a ver isto a acontecer e eu a ficar sem resposta por vossa causa!


Terceiro, porque é que vocês não podem ser todos amigos e unirem-se numa mesma fábrica de modo a fazer o melhor atum do Mundo, em vez de andarem todos em guerra e uns pescarem uns atuns em condições e outros irem buscar os atuns às prisões e aos centros de toxicodependentes porque fica mais barato? Se a Bom Petisco se unisse à Ramirez, não havia hipótese para aquelas marcas fraquinhas e íamos andar a comer atum de qualidade, em vez de sempre que formos a um restaurante ou a casa de um amigo que não conheçamos bem, termos de perguntar de que marca é o atum antes de comermos o patê ou as tartes de atum.


Quarto, porque é que vocês (e a Ramirez também, nisto não é só culpa vossa) começaram a fazer conservas de bacalhau e de sardinhas? Não vos chegava o atum? Depois começo a pensar se quem faz as conservas de atum faz primeiro um turno a conservar bacalhau ou sardinhas em molho de tomate e depois vai para as latas de atum com as luvas ainda com molho de tomate ou com bocados de bacalhau mal desfiado. Uma vez abri uma lata de atum ao lanche e aquilo vinha com um tentáculo de um polvo lá dentro. Depois vi que vocês e a Ramirez também faziam conservas de polvo. A minha mulher disse que eu tive uma alucinação porque a minha condição médica se tem agravado, mas eu sei bem o que vi e aquilo era um polvo. Se não precisassem de ganhar mercado à Ramirez e se concentrassem só no atum, que merece tanto respeito como o bacalhau, o polvo ou a sardinha, nada disto acontecia.


Por último, se eu for comprar um sumo ao supermercado, seja de que marca for, posso comprar de 33 cl, de meio litro, de 75 cl, de litro, de litro e meio ou de dois litros. Ou seja, tenho opção de escolha! No atum não, as latas são todas iguais. Se estiver com fome, em vez de comprar uma lata grande, tenho de comprar duas ou três pequeninas. Se for fazer uma tarte de atum ou um patê, em vez de comprar uma lata ainda maior, tenho de comprar para aí 6 ou 7. Já me disseram que há das grandes, mas nunca vi em nenhum supermercado, mercearia ou na dispensa de casa dos meus sogros. O problema disto, além de vir mais carregado, é de obrigar-me a abrir mais latas, como se a abertura fosse fácil. Sabem a quantidade de vezes que me cortei numa lata de atum? Porque é que tendo a indústria conserveira mais de 100 anos, nunca ninguém trabalhou numa abertura mais fácil? De certeza que ia haver mais gente a render-se aos encantos do atum se fosse tão fácil de abrir como um pacote de bolachas e se, mais importante, não vertesse molho para as calças mal se abrisse a lata.


Espero que tenham em conta as minhas considerações e tomem providências no sentido de agirem em conformidade com elas. Estou em crer que apesar de escrever em nome individual, represento a vontade de milhares de pessoas. Caso a «Bom Petisco» mude pelo menos o nome e as embalagens e deixe de fazer outras conservas sem ser de atum, para manter os empregados focados no seu trabalho e para não dispersar a atenção do consumidor relativamente ao atum, deixo de ser consumidor da Ramirez e passo a ser um dos maiores clientes da Bom Petisco (não digo o maior porque acho importante sermos humildes e eu ainda ali atrás disse que representava milhares de pessoas, já chega).


Atenciosamente e aguardando resposta breve,



Lucindo Sampaio de nascença, Lucindo Sampaio Bonifácio desde o dia em que me casei.»


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