Por esta altura, ao verem uma palavra estrangeira no título, pelo menos um de vocês deve estar a dizer em jeito de lamento e de crítica social que eu mudei desde que comecei a passar uma parte significativa dos meus dias com a Paulinha. Como sempre, quem diz isso é quem não me conhece de lado nenhum, não conhece a Paulinha nem sabe a diferença entre o Bruce Willis e o Bruce Springsteen. Eu digo a diferença: o Bruce Willis ainda conseguia fazer boa figura a dar um concerto mas o Bruce Springsteen se fizesse o «Die Hard» morria logo ao início e não havia mais filme. No mundo da música, o Bruce Springsteen é o meu 17º cantor sobre o qual não tenho opinião formada. Há aqueles que gosto, os que não gosto e os que não tenho opinião. Nesta última lista, o Bruce Springsteen é o 17º. Se fosse no campeonato espanhol ou inglês, que são 20 equipas, não descia de divisão mesmo à justa.
Por falar em futebol, no outro dia estava a ver um jogo e no fim fiquei para ver as flash-interviews. Aí, numa espécie de entrevista rápida mas cujo nome fica muito mais poderoso com o nome «flash interview» um jornalista questionava os treinadores e os jogadores sobre as incidências do jogo e também fazia perguntas sobre o futuro. Mais tarde, os treinadores dão uma conferência de imprensa, mas aí já é com os jornalistas todos e mais demorado. Eu nunca dei nenhuma entrevista mas já fui a algumas quando ainda me interessava arranjar um emprego. Só que essas entrevistas de emprego não eram nada como as flash interviews. Uma vez numa entrevista de emprego perguntaram-me qual era a minha melhor qualidade e qual o nome do meu melhor amigo. Parecia que estava a ser entrevistado para ir à festa de anos de alguém ou para ser aceite numa instituição de apoio ao deficiente mental. Obviamente não fiquei com o trabalho.
Por isso, como gostei de ver essa flash interview, desde então já vi um montão delas e comecei a pensar como seria se, além do futebol, houvesse outros momentos da vida onde houvesse um jornalista a fazer-nos uma flash interview. Vejam lá alguns exemplos e se tiverem mais alguns da vossa autoria guardem-nos para vocês, já muito trabalho me deu pensar nestes:
- Após idas à casa de banho. «Como se sente com o seu desempenho?», «Estava ansioso por poder vir e quando cheguei procurei desde logo atingir o meu objectivo, acho que correu tudo bem e estou contente com o que fiz», «A utilização regular dos seus intestinos ajuda a ter mais sucesso nestes momentos?», «Sem dúvida, facilita muito mais as coisas e tudo acaba por sair melhor. Estou muito contente». Em situações de prisão de ventre ou desempenhos insatisfatórios seriam familiares frases como «Não vou baixar os braços e vou continuar a trabalhar, este foi só um mau momento mas creio que numa próxima oportunidade não desiludirei»;
- No pós-sexo. «Está satisfeito com a sua prestação?», «Sim, creio que ambas as partes contribuíram para um grande espectáculo, pena não ter havido mais público, certamente iriam apreciar o espectáculo, agora há que descansar bem para estar em boas condições para uma próxima vez», «Sente que ficar por cima o favorece ou sente-se mais confortável noutras posições?», «É assim, a posição não é o mais importante, o importante é atingir os objectivos que pretendem de nós e que no final todos consigamos sair satisfeitos com o espectáculo», «Como comenta o assédio de emissários estrangeiros nos seus serviços?», «Eu estou contente com o que tenho, sinto-me feliz aqui, tenho bastante actividade. É normal que uma pessoa tenha curiosidade em ver como se fazem as coisas lá fora e experimentar novos países, mas estou feliz aqui»;
- Depois de situações de porrada, mas entre indivíduos na rua, não dos profissionais. Para os vencedores imagino algo como «Esperava esta reacção por parte do adversário ou foi surpreendido?», «Foi um confronto muito físico, senti algumas dificuldades ao início mas depois os meus ataques foram bem sucedidos e consegui levar de vencida um adversário bastante complicado, que me provocou muitos problemas e que apenas valorizou a minha vitória», «Os adeptos presentes não pararam de dar apoio, sente que a presença do público valorizou a luta?», «Sim, todos sabemos que as pessoas gostam de ver boas lutas e um bom espectáculo, felizmente ganhei e dei-lhes a possibilidade de irem para casa satisfeitos». Para os derrotados «O que faltou para ter vencido esta luta?», «Bem, um pouco mais de sorte e de resistência, já não lutava há bastante tempo e perante adversários destes não podemos facilitar. Não esperava isto mas agora vou descansar, recuperar e numa próxima estarei melhor preparado»;
- Logo após perder o emprego ou ser despedido. «Esta notícia surpreendeu-o ou era algo que já estava à espera?», «Bem, confesso que não me surpreendeu, conheço esta casa e a sua forma de funcionar. Fico triste, mas é assim a vida, há que seguir em frente», «Quais os seus planos de futuro agora que é um agente livre?», «Agora há que pensar no próximo desafio, investir forte em mim e só não digo que há que continuar a trabalhar porque de momento não tenho trabalho, mas hei-de voltar a trabalhar e quando o fizer voltarei ainda mais forte, disso podem ter a certeza»;
- Após um estacionamento difícil. «Muita gente admite uma enorme felicidade após conseguir vencer um obstáculo tão complicado. Como se sente neste momento?», «Sinto-me muito bem, estou feliz por ter conseguido, pelo trabalho desenvolvido ao longo destes meses ter dado frutos e acho que sinceramente não conseguiria fazer melhor, por isso, estou bastante contente», «Qual o segredo para conseguir fazer algo assim?», «Acima de tudo, acho que as pessoas devem valorizar o treino, é o trabalho que fazemos que nos torna melhores a cada dia e que faz com que no final tenhamos gosto naquilo que fazemos e nos frutos do nosso trabalho», «Acha que vencer desafios difíceis como este são mais motivantes que os desafios mais fáceis?», «Eu acredito é que não há desafios fáceis, todos são difíceis, uns mais que outros, o importante é manter a concentração a cada momento e nunca duvidar das nossas capacidades»;
- Depois de discussões conjugais e/ou familiares. «Como é que se reage a um momento destes?», «Acima de tudo é preciso manter a serenidade, apesar de ser difícil. Às vezes é fácil perder a cabeça e deitar tudo a perder», «Qual é o caminho a seguir após o que se passou hoje?», «Ainda é cedo para falar, as coisas ainda agora aconteceram, mas o importante é levantar a cabeça e não desistir porque mais tarde ou mais cedo vamos conseguir resolver tudo», «Poderá assistir-se ao fim da relação entre as duas partes?», «É cedo ainda para levantar esses cenários. Eventualmente vamos voltar a sentar-nos à mesma mesa e a falar e só depois disso é que poderei responder a essa pergunta. Para já é muito cedo»;
- Mal termine uma entrevista de emprego. «Quais as expectativas no final disto tudo?», «Acredito que ainda não chegamos ao final, no entanto acredito nas minhas capacidades e sinto que tudo pode correr pelo melhor», «Esperava este tipo de negociação ou foi surpreendido?», «Confesso que pensei em muita coisa antes de cá vir mas acho que no final houve um entendimento entre as partes, criou-se uma boa relação e posso afirmar que apenas fui surpreendido pela recepção que tive e pela confiança que me foi transmitida», «É a única escolha ou há mais concorrentes ao seu lugar?», «Isso não me cabe a mim responder. Sei é que tenho muita motivação para vir para aqui, de outro modo não teria vindo. O resto não depende de mim, mas vamos ver, nos próximos dias já poderão haver novidades quanto à minha situação»;
- No final de um encontro. Para as moças: «Esperava um adversário tão pressionante? Como reagiu perante essa postura do adversário?», «Bem, eu esperava alguma pressão e acho que aguentei bem essa pressão, no entanto, o facto de ser contínua desgastou-me bastante. Tentei reagir à pressão em vez de apenas a aguentar passivamente e sinto que consegui também ter alguns bons momentos, embora a iniciativa tenha pertencido ao adversário», «Foi também provocada em certos momentos. Qual o segredo para resistir às provocações?», «Já conhecia essa técnica do adversário, sabia que eventualmente a iria utilizar. Por isso, além de não me ter surpreendido, o segredo reside em manter a calma, a cabeça fria e aos poucos ir impondo o nosso estilo de jogo». Para os moços: «Esperava uma resistência tão grande por parte do adversário?», «Sinceramente, esperava alguma resistência mas não tanta. Como se costuma dizer, pus a carne toda no assador mas infelizmente não deu para sair daqui com uma vitória. Há que continuar a trabalhar e da próxima vez sinto que terei melhor sorte».
Como vêem, o Mundo seria um lugar bem melhor caso acontecessem flash-interviews nestas alturas. Não só por fazer as pessoas mais felizes, por lhes dar um local para falarem livremente do que lhes aconteceu, mas também por dar muito mais emprego a jornalistas, que andam para aí tantos sem trabalho. Claro que não sei quem é que ia pagar a esses jornalistas e em que meios de comunicação apareceriam essas flash-interviews, mas há tantos canais na televisão a dar tanta merda, que eu não me importava que programas sobre fantasmas, mitos urbanos, tatuagens, vestidos de noiva ou aqueles programas de fazer bolos fossem todos substituídos por um programa onde se fizessem diversas flash-interviews a pessoas ao calhas, desconhecidas e que tinham acabado de sair destas situações que eu disse em cima. E de outras que não me lembrei mas que não ia pôr aqui agora, senão ficava um texto enorme e dava razão aqueles que dizem que os meus textos são longos, extensos e enfadonhos, como se «longo» e «extenso» não fossem sinónimos e não se pudesse dizer apenas um dos dois.
P.S.: Já eu não precisava que me fizessem uma flash-interview sempre que acabo de escrever textos para aqui. Mas sei que o Jorge Abel ia gostar. Só que o Jorge Abel ia ser daquelas pessoas que nas flash interviews lhes perguntam uma coisa e respondem outra completamente diferente depois de terem dado um discurso enfadonho, com um raciocínio circular e onde ao fim e ao cabo não disse nada de relevante nem nada que acrescente dados no sentido de obter uma resposta. Sei que os jornalistas detestam pessoas assim e é por isso que eles às vezes vão às flash-interviews só para despachar. Eu se fosse jornalista ia adorar fazer flash-interviews, a menos que fosse obrigado a fazer uma ao Nicolau Breyner, que uma vez me passou à frente numa bomba de gasolina e à custa dele o chocolate do Chipicao derreteu-me todo nas mãos, que estava calor e eu ali a segurar o Chipicao na fila enquanto o Nicolau Breyner passou à frente de todos só porque aparece na televisão.
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