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quinta-feira, 8 de maio de 2014
O moço que trabalha na CapriSonne enviou-me outra carta
Ultimamente tenho tido bastante trabalho. Por um lado é bom sinal, porque me ocupa o tempo e me ocupa espaço na carteira o dinheiro que eu recebo. Por outro lado é mau sinal, significa que as canalizações deste país estão em péssimo estado ou então que os picheleiros que para aí andam espalham má fama pela classe. Nos últimos 10 dias tive 12 trabalhos em casas de clientes e só 1 é que já era meu cliente. Os outros eram todos novos. Eu adoro trabalhar, adoro pôr gasolina, adoro a minha mulher e adoro ter relações sexuais com ela, mas também adoro expor as minhas preocupações mais prementes de cidadão comum e não tenho tido tempo para isso. Como não tenho nada escrito por mim, decidi partilhar com vocês uma carta que recebi ontem daquele moço da CapriSonne que me respondeu e que agora me voltou a escrever:
«Bom dia amigo Lucindo,
Começo esta carta dizendo-te «bom dia» porque sei que a vais ler de manhã. Se houver justiça e competência neste país a carta vai chegar a ti de manhã. Escrevo esta carta após sair de uma despedida de solteiro de um primo meu que se vai casar com uma moça chamada Marília. Que raio de nome não achas? Espero que a tua mulher não se chame Marília. Se se chamar, podes rasgar imediatamente esta carta e ainda te dou permissão para gravares a morada do remetente para me enviares cobras para o correio em forma de vingança. Cheguei a casa eram 5:20 e pensei «vou escrever ao meu amigo Lucindo que há certas questões que me inquietam». Demorei para aí 50 minutos a escrever e nem eram 6:30 quando fui pôr a carta no marco do correio. E pus em correio azul para ser mais rápido. Por isso, logo de manhã já deves receber esta carta.
Se quiseres saber como foi a despedida de solteiro não teve muito de diferente das outras. Bebemos todos álcool de forma irresponsável e mostrando que o livre-arbítrio existe mesmo apesar do meu professor de Moral no 7º ano o ter negado mesmo quando eu fui falar com ele e lhe fui mostrar o que dizia no meu livro de Filosofia do 11º ano. Sabes que quando lhe mostrei o meu livro de Filosofia ele queimou o livro a dizer que era blasfémia e depois os meus pais é que tiveram que dar mais 5 contos por um livro novo? Para veres como o livro me saiu caro, ainda ontem eles levaram para lá uma stripper e eu pus-lhe 20€ no fio dental para ela me fazer uma lap-dance. Enquanto ela dançava em cima de mim pensei no que disseste sobre discutir a condição humana. Ali estava aquela miúda a dançar em cima de mim, sem me conhecer de lado nenhum, só porque eu lhe dei 20€. Ganhou 20€ em 5 minutos e eu que demoro a ganhar mais ou menos isso num dia em que trabalho 8 horas. Eis o que pensei sobre a condição humana: eu ganhei aquele dinheiro merecida e moralmente mas gastei-o de forma irresponsável e degradante, enquanto a gaja ganhou o dinheiro de forma irresponsável e degradante mas de certeza que o gastou em algo merecido e necessário. O mundo, de certa forma, acaba por atingir um equilíbrio, ainda que por caminhos que nós não percebemos se não pensarmos a fundo no assunto.
Por ter pensado tanto nisso nem aproveitei a lap-dance. Paguei 20€ para reflectir sobre a condição humana, o que me fez sentir melhor se tivesse estourado 20€ com uma gaja a dançar no meu colo. Depois houve mais do pessoal a fazer o mesmo, mas não sei se também pensaram na condição humana como eu ou se aproveitaram a dança. Por falar nisso, quem lá estava na despedida de solteiro era o primo do Ilídio, que é um amigo meu. O primo do Ilídio trabalha lá na fábrica e uma vez deu-me boleia depois de um jantar da empresa. O primo do Ilídio está na secção dos CapriSonnes de laranja, o que é bom sinal. A Marta foi trabalhar para a TMN por ser 96 desde 1999, o Gustavo, aquele moço que não comia carne, está de baixa e a Danielle foi para o Brasil no Carnaval e nunca mais voltou. Agora está lá o primo do Ilídio e dois brasileiros que estão sempre a falar de futebol e de gajas, por isso, são boas pessoas. Com este novo departamento de certeza que os CapriSonnes de laranja estão melhores e menos amargos. Compra um para experimentar. Se ainda forem amargos ou ainda apanhaste o stock anterior ou então eu enganei-me e podes mandar-me cobras para a caixa do correio como vingança.
Por falar na CapriSonne, fui aumentado recentemente. O patrão disse que queria conversar comigo. Como ele já tinha assediado uma vez a Andreia, que era recepcionista, sabia que ele não me ia assediar sexualmente porque gostava de mulheres. O pior que me podia acontecer era que ele me fosse propor eu ir trabalhar para a CapriSonne de França só porque eu pus no currículo que uma vez tirei 5 a Francês no 9º ano. Eu não queria ir para França, comer croissants todos os dias e ter que dizer todos os dias que o Zidane era o meu ídolo. Mas o meu patrão só me queria dizer que como eu era produtivo e como nunca tinha metido baixa nem utilizado os serviços de saúde da empresa ia ser ligeiramente aumentado. Que merda, Lucindo, soube isto 5 dias depois de ter estourado 80€ num oftalmologista. Como agora ganho bem, até vou ver se lá a fábrica tem algum protocolo com um dermatologista só para poder dizer às pessoas que já fui a um dermatologista, que nunca fui.
Bem, como eu não te quero chatear muito, já vou acabar. Só te quero dizer mais duas coisas. Primeiro, descobri que o fornecedor da Santal é português e o nosso é espanhol, por isso não há maneira de nos estarem a passar a perna e a beneficiar a Santal com isso. Agora, não digas é a ninguém que quem nos fornece laranjas é um agricultor espanhol e que a Santal compra laranjas portuguesas senão com isto da crise e da troika e de comprarmos o que é nosso ainda se põem a comprar Santal só porque tem laranjas portuguesas. Por outro lado, o ananás com que fazemos o «Safari Fruits» é de uma quinta portuguesa. E todos sabemos que mais nenhum sumo tem um sabor «Safari Fruits». Por falar em nomes de sumos, a segunda coisa que te queria dizer é que eles andam a experimentar outro sabor novo. Querem juntar banana, pêssego, morango e cereja e fazer um «PiñaCherry». Eu não sei como é o sabor, que ainda não me deram a provar, mas já votei contra esse nome. «PiñaCherry» parece o nome de um bar gay ou de um dançarino homossexual ou de um gelado duvidoso como o Calipo, mas com um nome pior. Eu sugeri o nome «Frutos Latinos» porque ninguém conhece e quando vissem iam comprar só para ver como era e se gostassem compravam mais e os outros sumos começavam a copiar a CapriSonne, mas ninguém me quis ouvir.
Bem, é tudo por hoje. Depois disto tudo começo a alimentar a dúvida se esta carta vai ter o mesmo impacto para ti do que teve para mim, ao escrevê-la. Já somos amigos ou tenho de te convidar para jantar e para irmos comer um bife? É que esse é o meu critério para definir uma amizade. Um amigo para mim é aquele com quem alguma vez estive no mesmo carro, de quem tenho o número de telemóvel sem ser só para ter e com quem já comi um bife. Por isso, quando quiseres comer um bife, diz qualquer coisa e assim já podemos ser amigos. Por outro lado, se levaste a mal aquela brincadeira que eu fiz com chamares-me Guilherme ou Vanessa, eu peço desculpa. Percebo que não gostes do nome Guilherme quando toda a gente os trata por «Gui» ou, pior ainda, por «Guilhas». Por isso, se quiseres, podes-me tratar por Vanessa, que assim sei logo quem és tu, ou então por Hugo, que é um nome sem diminutivos.
Do teu futuro e potencial amigo mas confesso admirador, e esperando que me respondas a esta carta, mesmo que seja sob a forma de vingança e a mandar-me cobras numa embalagem para a minha caixa do correio devido à morada que está no remetente,
Hugo, ex-Guilherme, ou então Vanessa, já que até que me digas o contrário vou manter o meu nome em segredo para não sofrer represálias na CapriSonne, ainda por cima agora que fui aumentado. »
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