Vocês descobriram pelo Jorge Abel que comecei a trabalhar. Tenho a dizer que ele ficou mais contente por eu trabalhar do que eu. Grande porcaria isto de trabalhar, mais valia estar desempregado. A única coisa positiva é mesmo o dinheiro que ganho ao fim do mês, não imaginam a quantidade de Capri-Sones que podia comprar com o meu salário. Vocês não imaginam mas eu sei. Podia comprar 688 Capri-Sons, o Gary fez as contas. Mas tinham que ser dos de laranja, que se fosse dos de frutos tropicais já só podia comprar 604.
Não é que ser segurança seja um mau trabalho, há coisas piores. Por exemplo, trabalhar numa fábrica de tintas. Não sei como é que o Jorge Abel consegue, mas ele sempre foi bom moço e sempre fez aqueles recados que ninguém queria fazer. Por exemplo, quando já nem eu nem o Gary podíamos aturar o Teófilo com as conversas sobre os passos de valsa que ele dançava melhor, deixávamos lá o Jorge Abel, que ele entusiasmava-se e fazia bem o papel de amigo.
Mas agora vou dizer porque é que detesto trabalhar:
- Estou sempre de pé. Aliás, nunca tive tanto tempo de pé na minha vida como quando estou a trabalhar. Agora percebo porque é que nunca dei jogador de futebol, que eles estão de pé 90 minutos, mais os descontos e eu, mal vejo que não está ninguém a passar sento-me ou encosto-me logo;
- Onde trabalho dá para ver televisão. E o pior é que, desde que trabalho, tudo na televisão parece mais interessante. Para o tempo passar mais depressa até me deixo ficar a ver os dramas das pessoas que vão à Fátima Lopes. Detesto dramas. Detesto histórias tristes. Mas ao menos faz o tempo passar mais rápido e quando dou por mim já são 18h e posso ir para casa lanchar;
- Uma coisa que não percebo é se sou segurança ou porteiro. A mim disseram-me que tinha que garantir a segurança do edifício mas ninguém me avisou que tinha que estar sempre a dizer «bom dia» e a abrir e fechar a porta para as pessoas entrarem e saírem. Estão-me sempre a mentir e a esconder coisas;
- Como é que eu não podia detestar trabalhar se nem o almoço me satisfaz? Vejo muita gente fazer cara de contente quando chega a hora do almoço mas para mim é um tormento. Ou, cheio de fome, como muito e faço grande almoço mas depois fico cheio de preguiça o resto do dia ou, para evitar isso, como pouco e fico cheio de fome. Com tanta fome que chega às 3 da tarde e as pessoas já me parecem Chipicaos de morango;
- Eu já detestava ir trabalhar quando me disseram que ia ter que usar farda. Ainda fiquei a detestar mais quando vi que a farda que me obrigavam a usar todos os dias, quando está calor é quente à brava e naqueles dias frios até me faz tremer. O pior é que não posso pôr um casaco por cima, nem andar só de t-shirt, não me deixam. Portanto, tirando dias de temperatura amena não posso trabalhar sem estar a suar ou a tremer;
- As pessoas caridosas dão uma esmola aos mendigos e um daqueles jornais gratuitos aos seguranças da entrada. Esse é mais um dos motivos que me faz detestar trabalhar. Ninguém me empresta um jornal desportivo ou pelo menos «O Crime», só os gratuitos. E esses são os piores que só vêm notícias de famosos, signos, sudokus e recordes do mundo. E eu detesto recordes do mundo! Mais do que detesto Sudokus, que nem sei fazer aquela porcaria. Se eu fosse bom com números não tinha reprovado a Matemática;
- Não há nada pior no meu trabalho do que ter que usar as mesmas expressões para toda a gente. Se é pessoa até aos 30 anos é «jovem», se for mulher entre os 30 e os 50 é «menina», se for mulher acima dos 50 é «minha senhora» e se for homem acima dos 50 é «caro amigo». Agora nem às minhas expressões tenho direito. E ainda por cima nem são expressões à segurança, sinto-me um empregado de restaurante a dizer estas coisas. E todos sabemos que os empregados de mesa são os escravos neo-clássicos;
- Afinal enganei-me, há uma coisa pior do que o ponto em cima. O pior é quando encontro pessoas que me conhecem e, quando me vêem lá pela primeira vez fazem SEMPRE A MESMA PERGUNTA: «Então, trabalhas aqui?». Só me apetece dizer que não, que estou a fingir que trabalho ali, a preparar-me para o Carnaval. Detesto o Carnaval. E detesto esta pergunta também. Ainda por cima o Gary vai lá de propósito de vez em quando só para me fazer essa pergunta e depois vai embora.
Perguntam-me vocês então porque não me vou embora. São vocês que me vão pagar as coisas? Antes fossem, demitia-me já hoje. Quer dizer, hoje não que é folga, não vou estragar a minha folga para ir lá apresentar a demissão. E vocês não são pessoas de confiança. Desde que o Gary me disse que houve uma pessoa que chegou ao blog por pesquisar no Google «recordes do mundo» não vos dou crédito nenhum. A não ser que me queiram pagar as minhas coisas, aí sou o vosso melhor amigo.
P.S.: Para que é que preciso da merda de um P.S.? Já escrevi tudo o que tinha a escrever. Isto dos P.S.'s parece quando me contratam para ser segurança e me obrigam a ser segurança, porteiro, empregado de mesa e guia turístico. Ah, e já me estava a esquecer, também tenho que ser especialista do tempo, que as conversas vão sempre dar a isso. Realmente, já percebi para que serve o P.S., se me esquecer de alguma coisa ponho aqui. Mesmo assim continuo sem perceber porque raio as pessoas falam do tempo comigo, que sou só o segurança!
Sem comentários:
Enviar um comentário