quinta-feira, 13 de junho de 2013

Traições do dia-a-dia


Não pensem que vou falar do Jorge Abel e começar-lhe a dar já importância logo na primeira linha. Não pensem também que vou falar de como o Teófilo me traiu no Verão, quando me prometeu que cá vinha escrever qualquer coisa e a única coisa que fez foi informar-me que havia pessoas das Filipinas a virem parar aqui ao blog. Também não vou falar de como traí a Gina, filha do sapateiro, por ter comido uma clementina quando namorava com ela. Sempre pensei que clementina fosse nome de um fruto mas afinal também era nome de pessoa. Não sei porque continuo a escrever clementina com letra minúscula, se ainda estou em negação ou se apenas para vos fazer pensar que ainda estou a falar de fruta e não de uma moça.


No outro dia disseram que o meu nome era estranho, até me perguntaram se eu era chileno. Pensei que era pelo meu tom de pele moreno que a vida de desempregado me permite ter já por esta altura, mas não. Quem me perguntou foi o Norberto, um moço de que raramente falo mas do qual tenho sempre histórias para contar quando me cruzo com ele. O Norberto é conhecido por fazer perguntas às pessoas que nunca ninguém fez. Realmente a mim nunca me tinham perguntado se eu era chileno. As perguntas mais esquisitas que me fizeram, sem contar com essa, foi se eu sabia qual a capital do Bangladesh num teste de Geografia e se eu conseguia descrever o agressor num interrogatório da Polícia. Antes que pensem, não fui preso. Só estava a passar na rua quando vi um moço a espancar o outro. Pensei que era daqueles teatros de rua e deixei-me ficar a ver. Depois fui considerado testemunha. Porcaria de teatro, a envolver os espectadores.


O moço que levou um tareão disse, sem eu o conhecer de lado nenhum, que o tinha traído. O que me levou a pensar que as traições são algo que todos fazemos, uns mais descarados que outros. Vejam lá alguns exemplos de traições do dia-a-dia que nem damos conta que fazemos:



  • As pessoas que andam nos autocarros são as que mais traem sem saber. Quando entram num autocarro, o objectivo é irem até ao fim com o motorista, até ao destino final. Mas maior parte sai a meio, abandona o motorista e dá um mau exemplo aos outros, que vêem que tudo é possível e também saem a meio. Aposto que também saem a meio das relações, sem dar explicações a ninguém;

  • Toda a gente que se deixa enganar e come iogurtes de frutos do bosque, mais que a trair a realidade ao comer frutos que não existem, que são inventados, está a trair os outros frutos todos, que existem e que são reais. Também poderia dizer que estão a trair a sua masculinidade, mas se formos por aí há moços que fazem isso a comer bananas. E as bananas não são frutos inventados! Imaginem o que sente uma maçã, uma pêra, uma nêspera sempre que são trocadas por frutos inventados. Porque já vimos que não há frutos do bosque;

  • Sempre que lêem um texto do Jorge Abel e se riem estão a trair a comédia. Piada tinha o Gil Vicente, que na altura dele enchia as cortes e fazia o rei rir. E olhem que não era nada fácil fazer o rei rir! Aposto que se o rei fosse a um espectáculo de stand-up do Fernando Rocha vinha embora passados 10 minutos, sem se rir uma única vez. Eram pessoas sisudas naquele tempo e o Gil Vicente conseguia fazê-los rir. Já para não falar que só o facto de lerem essas coisas que o Jorge Abel escreve aqui é uma traição à minha pessoa, um discípulo de Gil Vicente;

  • Cada vez que aqueles moços com gostos duvidosos ou que simplesmente gostam de ser diferentes compram umas calças verdes, roxas ou rosa estão a trair descaradamente aqueles pobres reivindicadores dos direitos do Homem, que foram perseguidos, torturados e mortos por defenderem a liberalização das calças de ganga. É que antigamente só se podia usar calças daquelas de flanela grossa, que no Verão faz um calor horrível. Agora, que se podem usar calças confortáveis graças a esses lutadores, vêm uns moços com calças de pano verdes claras;

  • Não consigo vislumbrar maior traição à masculinidade do que beber uma Mini. Ou mini. Não percebo porque é que uma coisa «mini» tem que levar maiúscula. Se é mini que fique a letra pequena. Mania de ser grande. Mas adiante, as minis foram criadas com o intuito de servirem as pretensões femininas, para aquelas esposas que o dever do casamento obrigava a acompanhar uma francesinha com uma cerveja e não com um Compal de Laranja. Na impossibilidade de se beber uma cerveja de 33cl (e sabendo-se que é crime deitar fora cerveja!) as marcas criaram as minis, para as mulheres poderem acompanhar a francesinha com cerveja, mas em menor quantidade. Sempre que vejo moços a pedirem uma mini, vejo-os a trair a sua masculinidade;

  • Já muito falamos disto por aqui, mas nunca é demais recordar. Os talhos são, e sempre foram, um dos baluartes da sociedade. Quando há crises sociais e económicas profundas, há crises nos talhos. Quando há escassez de alimentos, há escassez nos talhos. Quando há guerras, há sempre alguém com um cutelo de talho na mão. Os talhos são fundamentais! Mas também eles passam por uma crise actual. Uma crise de traições à classe, ao tradicionalismo puro, desses talhos modernos a vender rissóis de pescada como se fosse entremeada ou ossobuco. Um talho que vende rissóis de pescada é uma traição à pátria. O que faz com que alguém que compre essas coisas num talho um traidor da pior espécie;

  • Normalmente critico aquelas gordas que mal vêem dois raios de sol vestem um top, umas leggins com padrão leopardo e vão para uma esplanada comer um gelado. Mas hoje não, porque ao menos estão a ser fiéis à sua condição de gordas. Agora, critico é aquelas que traem o que são e se põe a beber Coca-cola zero ou a comerem bolachas de água e sal. Se é para deixarem de ser gordas que se metam num ginásio ou que emigrem para os Estados Unidos. Uma gorda em Portugal passa por uma moça normal nos Estados Unidos, disse-me um tio meu que vive em Massassuchets; 

  • Por último, mas não o menos leve, não consigo tolerar alguém que critique uma coisa tão sólida e provada cientificamente pelo senso comum como são os estereótipos. Dizer-se que os estereótipos são maus, negativos, imprecisos e que quem os utiliza é antiquado é trair as bases da fundação da sociedade moderna, a qual foi assente precisamente em estereótipos. O pior é que os que criticam os estereótipos não vêm com ideias novas nem, como eles dizem, mais precisas. Só dizem que está mal, mas dar uma solução nada. Ao menos eu continuarei a reger-me por estereótipos, que eles, ao contrário de certos ex-amigos, nunca me falharam.




Sim, aquela parte dos ex-amigos era para o Jorge Abel, mas não só. Também era para o Matthew Praias. E também era para o Justiniano, que foi da minha turma no 7º ano e me obrigou a pagar-lhe 5 contos porque lhe parti um espelho em casa na festa de anos dele. As pessoas já deviam saber que fazer festas de aniversário em casa dá sempre problemas! Ainda por cima fez uma festa com bar aberto, era Trinaranjus à descrição, perdi a cabeça. Nunca mais lhe falei. E quando o Jorge Abel ainda era meu amigo e trabalhava no talho, uma vez levou-lhe 7 contos a mais numa encomenda que ele fez para o mês inteiro. Deixei o Jorge Abel ficar com o resto e eu reavi os meus 5 contos. Se eu soubesse o que o Jorge Abel ia andar a fazer estes últimos tempos tinha eu ficado com os 7 contos. E expulsava-o do blog antes disto acontecer, pelo sim, pelo não.






P.S.: Agora que reli o texto não posso deixar de pensar numa situação em que não reflecti tanto como deveria. Porque é que não há iogurtes de nêspera? Nem sumos de nêspera, nem Compais de nêspera, nem refrigerantes de nêspera. Nem sequer há champôs de nêspera! Tendo em conta os estereótipos infalíveis, posso considerar que as nêsperas são os pretos da fruta, deixam-nos existir em liberdade mas dão-lhes raríssimas oportunidades de subirem na vida. Critiquem agora os estereótipos, moços modernos que vestem calças verdes e bebem minis a acompanhar os rissóis de pescada que compraram no talho.


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