domingo, 17 de novembro de 2013

Espero bem que nunca tenha de ir para o céu


Ontem descobri que há pessoas no Mundo mais chatas que o Jorge Abel. Antes que comecem para aí a dizer que eu sou severo demais com o Jorge Abel, severo era o meu professor de Ciências que uma vez me marcou falta disciplinar por eu dizer que em Ciências se devia ensinar os nomes dos principais dinossauros e que isso era muito mais interessante que perceber como funciona o aparelho digestivo. A partir desse dia, por muito bons que os meus testes fossem ele nunca me dava mais que 3. Ainda bem que no 10º ano deixei de ter Ciências. Foi uma perda de tempo. Hoje continuo sem perceber o meu sistema digestivo, só sei que ele funciona e ainda por cima não aprendi nada sobre dinossauros na escola. Só descobri que os dinossauros foram os primeiros animais a comer bifes com molho tártaro numa convenção a que fui com o Tolentino.



Mas perguntam vocês quem são essas pessoas mais chatas que o Jorge Abel. A resposta é fácil: aquelas velhas que andam a vender bíblias e a oferecer editoriais religiosos na rua. Ontem fui abordado por duas velhinhas que se dirigiram a mim com um «Jovem, quer purificar a sua alma?». Eu acedi. Já há uns tempos que ando à procura de um champô que lave consciências. Até tinha comentado com o Teófilo que o máximo que pagava por um champô desses era 5,99€. Se fosse 6€ já não pagava, esperava que estivesse em promoção. Por isso, cativou-me a ideia de purificar a minha alma. Uma vez disseram-me que fazer sauna purifica a pele porque liberta toxinas. Mas há muita gente esquisita nas saunas e ainda por cima quem me deu esse conselho foi o Rui Rotundas, um moço que nunca teve nenhuma namorada e aos sábados à noite sai de casa com pólos amarelos. Por isso, acedi.



Afinal era um embuste. Estavam a oferecer daqueles editoriais religiosos com capas enganadoras, que te obrigam a abrir a página 1 para veres que são cenas religiosas. Fixei lá uma frase: «Pratica o bem e caminharás toda a tua vida para as proximidades do Céu, que te abraçará na sua paz eterna». Grande porcaria ir para o céu. Espero nunca lá ir parar. Vou explicar-vos o porquê:




  • O céu é longe do mar. Ok, em termos de habitação e de preço por metro quadrado é muito mais barato, mas reparem bem como são desertificadas as zonas do interior e longe do mar. Além disso, estar longe do mar implicava não comer peixe fresco. Se quisesse comer peixe era só bacalhau ou atum enlatado. Grande «paz eterna», ter o desejo de comer um carapau fresquinho e ter que fazer 100 ou 200 km para isso;

  • O céu foi claramente concebido por um arquitecto incompetente. Como construir um espaço onde tanta gente vai residir (ou, pelo menos, aquelas que lerem e aceitarem os ideais que vêm naqueles editais) sem pensar no quão afectadas vão ser as vidas dessas pessoas com o constante barulho dos aviões a passar? Por alguma coisa os aeroportos são construídos fora das cidades, para não incomodar ninguém. Queria ver quem ia ter «descanso eterno» com aviões a passar debaixo de casa de 20 em 20 minutos;

  • Uma coisa que não me ia deixar nada descansado se eu fosse para o céu era o facto de em momentos sexuais ou românticos entre um casal (que, como andam as coisas, podia ser entre duas pessoas do mesmo sexo sem ninguém os perseguir e prender) estarem a olhar para a minha casa. «Já viste como são bonitas as estrelas? Parece o nosso amor, tão bonito». E estavam a olhar para a luz da minha casa de banho enquanto lá estou a ler revistas, sem o saberem. Detesto fazer parte de momentos românticos. Já por isso é que sempre que vou ao cinema entorno a bebida nos bancos todos da minha fila e nos dois lugares imediatamente atrás e à minha frente, para não ter que levar com nada disso durante o filme;

  • Outra coisa que me ia aborrecer no céu é que os vizinhos iam ser todos daqueles bem-comportados e sem histórias interessantes. Todos os dias iam ser monótonos, sem novidades daquelas que empolgam as pessoas que as sabem e envergonham as que as cometeram. Nada de nada. Por um lado, era bom que ninguém me ia dever dinheiro, mas por outro também não havia moças a traírem os namorados ou moços bêbados a perderem os cartões deles na discoteca. Que vida aborrecida;

  • Viver no céu ia ser como aqueles moços que vivem numa cidade calma onde não se passa nada mas sabem que na cidade ao lado há grandes festas, agitação e novidades a toda a hora. O problema é que uma vez entrando no céu não me deixavam sair, ficava lá para sempre. Nem sequer podia pedir um visto de turista para ir ao Inferno a uma festa da mulher ou alguma com bar aberto e voltar no dia seguinte. Estava preso no céu, obrigado a descansar para sempre, sem me poder ir divertir a outras cidades;

  • Com tanto descanso e paz eterna, e com o céu a abundar em sobremesas como as natas do céu ou o toucinho do céu, ia-me tornar obeso. Depois a roupa ia começar a ficar-me apertada e como não tenho conhecimento que haja lojas de roupa no céu ou sequer que haja dinheiro, ia tornar-me naquilo que mais desprezo: obesos que usam roupa claramente desajustada à sua estrutura corporal e a mostrar aquilo que têm a mais aos outros. Basicamente, um obeso é como um rico, mostra aquilo que tem a mais, a diferença é que ninguém admira o que os obesos têm a mais. Eu no céu ia ser assim;

  • Por último, provavelmente a pior coisa de ir para o céu: ia ter os mesmos vizinhos para sempre. Há vizinhos que, eventualmente, se mudam ou morrem e então vêm outros novos. No céu não. Iam ser os mesmos para sempre, porque não há morte da morte. Ou talvez haja e eu não sei, afinal de contas nunca morri. Em termos de morte sou virgem. Espero sair-me bem na primeira vez que morrer. Mas é melhor não pensar nisso senão toda a gente vai reparar que sou inexperiente. Imagino o que é ter um Jorge Abel como vizinho no céu, que todos os dias me vinha falar da diferença entre os fungos da tinta e os fungos da pele e perguntar-me porque é que a torta Dan Cake de morango sabe mais a framboesa que a morango. 






Uma coisa que eu também pensei no outro dia foi sobre se há céu e inferno para as células cerebrais. Vi num documentário no outro dia que, diariamente, num ser humano normal morrem milhares de células cerebrais. Para os que bebem ou consomem drogas esse número sobe ainda mais. Neste momento eu estou a matar células cerebrais. Elas simplesmente morrem e ninguém quer saber? E morrem a trabalhar ou morrem de velhice ou por doença? E imagino os funerais das células cerebrais a estarem vazios porque os amigos e familiares ou estão a trabalhar, ou estão a pensar ou então estão a morrer. Que vida triste a de uma célula cerebral, que nem pode ir beber uma cerveja no fim do dia de trabalho porque isso a mata. E as células cerebrais quando morrem ficam no cérebro a apodrecer ou desaparecem? É que se ficarem a apodrecer aqui e a amontoarem-se no cérebro, começo a perceber as minhas dores de cabeça que tenho tido ultimamente...







P.S.: Pensando bem, não queria ir para o céu mas também não queria ir para o Inferno. Vinha lá no edital religioso que o Inferno era uma prisão para as almas impuras e ímpias. Adoro a palavra ímpia. É uma daquelas palavras poderosas. Mas não gosto de prisões. Nas prisões vale usar carga de ombro e empurrar no basket, é quase todos os dias arroz de atum ao almoço e não há tortas Dan Cake ao lanche. A Paulinha na outra noite disse que eu a levava ao céu. Mas espero que a seja só mesmo levar e vir embora, ela que não se ponha com ideias de eu ficar lá também, que não quero ficar obeso e a passar os dias a ouvir os aviões a passar. 


Sem comentários:

Enviar um comentário