quarta-feira, 20 de novembro de 2013

O Júlio César foi trabalhar para a Robialac e agora na fábrica sou só eu e o Sebastião


O Venâncio tinha-me avisado que Novembro era o pior mês do ano, porque era a última oportunidade das pessoas praticarem o mal antes de chegar o Natal. É que em Dezembro ninguém faz mal a ninguém. Disse-me o Venâncio que é por isso que no dia 1 de Janeiro os jornais só falam em aumentos de preços e impostos e só se fala em acidentes rodoviários, são as pessoas a descarregar tudo o que estiveram a guardar durante 31 dias. O Gary disse-me que odeia Dezembro porque parece que é obrigatório contribuir para instituições de caridade ou dar moedas aos mendigos. O Gary não gosta de mendigos desde que um lhe roubou uma torta Dan Cake de um saco de plástico enquanto ele estava a levantar dinheiro. Por falar em roubar, o Júlio César roubou 56% da minha felicidade ao ir trabalhar para a Robialac. Ia dizer que roubou muito da minha felicidade, mas depois as pessoas não sabiam exactamente quanto e assim já sabem.



Disse-me hoje que amanhã não ia trabalhar, que já ia para a Robialac. Eu não sabia como reagir. O Sebastião ficou triste mas disse que ficava mais triste se o Hollywood começasse a ser um canal codificado como os TeleCines e se tivesse de pagar. O Júlio César disse que na Robialac pagavam mais e tinham um horário mais flexível. Não sei porque raio quer ele ter um horário mais flexível e mais dinheiro, se passa os fins de semana em casa sem fazer nada. O Venâncio desejou boa sorte ao Júlio César e perguntou se podia ficar com o lugar de estacionamento dele. O Júlio César disse-lhe que ia sempre de autocarro para a fábrica. O Venâncio sabia disso, mas como não tinha mais nada para lhe dizer por não o conhecer bem decidiu perguntar na mesma, só para fazer conversa, que ao menos nos encontros com as moças essa estratégia resulta sempre. 



Não quero saber do Júlio César. Sinto-me traído. O Sebastião disse-me para não pensar muito nisso, que os amigos não se viam pelo local de trabalho, mas pelo dinheiro que nos deviam e pelo número de namoradas que nos roubavam. Tinha de ser namoradas ou podiam ser raparigas com quem quiséssemos sair mas ainda não a tivéssemos convidado por falta de oportunidade? O Sebastião disse que ambas. Lembrei-me da Xana da cantina! Será que ela também ia para a Robialac? Isso é que ia ser mau. Primeiro perdia o meu melhor amigo na fábrica, depois perdia a possibilidade de comer uma peça de fruta e um bolo ao almoço, quando o permitido é só um dos dois. Fui logo ao bar para ver se a Xana lá estava. Só estava o Sr. Gonçalves, que é o responsável do bar. Perguntei pela Xana e ele disse-me que devia estar a confundi-lo com um primo meu a perguntar pelas pessoas sem comprar sequer uma chiclet Gorila. Vim embora sem saber da Xana. Quando comentei este incidente com o Venâncio, ele foi logo a correr para o bar a dizer que não havia nenhum Sr. Gonçalves responsável pelo bar.



Pensei que mentir e atraiçoar os amigos era coisa de moças. O Venâncio disse-me para não dizer isso alto senão as feministas podiam mandar-me para a cadeia. Não sei o que é isso de feminista, mas o meu tio uma vez disse-me que adorava comer moças feministas e espancar moços feministas. O Gary disse-me que ser feminista era moda quando as mulheres não podiam votar no século XIX, mas que agora era tão actual como ir a Lisboa de coche. Ainda bem que nunca andei de coche. Devia ser mesmo difícil estacionar o coche de marcha-atrás. E naquela altura não era qualquer família que podia pagar a carta de coche, devia ser um dinheirão. Se calhar só podia andar de coche QUEM FOSSE TRABALHAR PARA A ROBIALAC. Desculpem, agora excedi-me. Já o meu tio me dizia que se devia manter sempre a postura em público e exceder-me apenas na cama ou na parte de trás dos carros. 



Hoje de tarde não encontrei a Xana da cantina mas encontrei-a à porta da fábrica quando ia embora. Ela perguntou-me se eu já sabia e eu disse-lhe que infelizmente sim e que estava muito triste. Disse-lhe que era muito duro perder uma pessoa amiga desta maneira. A Xana disse-me que foi por eu a considerar amiga que ela tinha aceite o pedido do moço da Costa Rica. Não estava a perceber nada. Eu estava a falar do Júlio César ir trabalhar para a Robialac. Ela também ia? E com o moço da Costa Rica? A Xana disse-me que não, que agora ia trabalhar para o moço da Costa Rica mas era em regime pós-laboral  e intensivo, em casa dela. Isso não me interessava, desde que ela continuasse na fábrica. Já me chegava ter perdido o Júlio César. Só faltava ir a Xana e em vez do moço da Costa Rica ir o Sebastião e o Venâncio passar a fazer os turnos dele à noite. Assim ao menos só tinha perdido uma pessoa. A Xana disse-me que à custa destas coisas e à custa das bananas da Costa Rica serem tão grandes como se apregoa é que ela tinha tido a escolha que teve. Vejo que a Xana da cantina continua a falar por charadas, como se eu tivesse o 12º ano para as perceber.








P.S.: O Sebastião já conheceu o Gary mas o Gary não conheceu o Sebastião. Quando os apresentei, o Gary disse que estava num daqueles dias em que tudo lhe parecia uma alucinação e perguntou ao Sebastião se alguma vez tinha comido um rissol de pêra. O Sebastião disse-lhe que não, mas que uma vez tinha comido um pica-pau no restaurante. O Gary disse-lhe que preferia comer aquele animal que faz «Bip-Bip» nos desenhos animados, porque se o coiote passa tanto tempo atrás dele é porque a carne deve ser espectacular e dar dinheiro se vender a talhos. Enquanto eles conversavam lembrei-me do que o Júlio César me fez. Mas foi por pouco tempo, que o meu tio apareceu-me a perguntar se lhe emprestava 50€ e se lhe dava outros 200€, que ele só me ia poder devolver 50€. O Venâncio sempre me disse que a honestidade deve ser recompensada, por isso dei 50€ ao meu tio e disse que não me precisava de mos devolver. 


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